OPINIÃO

 

Gustavo de Castro da Silva é doutor em Ciências Sociais (PUC-SP) e professor do Departamento de Audiovisuais e Publicidade (DAP), da Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília. Coordenador dos grupos de pesquisa: Biocom (Biografia, poesia e comunicação) e do Siruiz (Comunicação e produção literária).

 

 

Paulo Alziro Schnor é mestre em Comunicação Social pela Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília, pesquisador do Siruiz (Comunicação e produção literária)e servidor da Secretaria de Comunicação (Secom/UnB).

Gustavo de Castro da Silva e Paulo Alziro Schnor

 

1962 foi o ano em que o mineiro de Montes Claros Darcy Ribeiro, ao lado do notável educador baiano Anísio Teixeira, inaugurou a Universidade de Brasília. Nesse mesmo ano, outro mineiro, Guimarães Rosa, lançou Primeiras Estórias, mais um volume publicado pela Livraria José Olympio de sua monumental obra literária. Curiosamente, o conto “As Margens da Alegria”, que abre o livro, tem por cenário a capital brasileira quando estava a ser construída, diga-se de passagem, pelo também mineiro, Juscelino Kubitschek.

 

Capas da 1a. ed. Primeiras Estórias de João Guimarães Rosa, 1962, desenhada por Luiz Jardim

Não será, certamente, o acaso que orientou a escolha da porta de entrada do compêndio. O autor estava em estado de graça pela oportunidade de recomeçar, após sofrer o seu primeiro infarto. Recebeu em si “um miligrama de morte”, mas transcendia em esperança na luzinha verde do vagalume: “tão pequenino, no ar, um instante só, alto, distante, indo-se. Era, outra vez em quando, a Alegria”. O menino de Cordisburgo (MG), agora, é o renascido que olha o futuro na esplanada da esperança.

 

No Primeiras Estórias são 21 contos ao todo, número místico que resulta de três (a Trindade) vezes sete (a perfeição divina). Paulo Rónai entende que “são relatos de milagres, contanto que se entenda o termo como designativo de acontecimento muitas vezes íntimo, indefinível e impreciso”. Na opinião do crítico, após Sagarana (1946), Corpo de Baile (1956) e Grande Sertão: veredas (1956), o escritor manifesta em Primeiras Estórias o domínio pleno do conto curto, indo além, entende, após período de dúvida, que Rosa é capaz de lançar mão com singular maestria do gênero que seja mais adequado à expressão de suas vivências.

 

Os personagens que emergem são crianças, loucos ou apaixonados que, por não estarem sob o domínio da “megera cartesiana”, são capazes de experenciar o encantamento do mundo. Manifestam no lirismo de suas personalidades e vivências, a dimensão poética da transcendência em forma de sabedoria. Não se trata somente do embate entre cultura erudita e popular, mas entre racionalismo e saber metafísico vertido na forma de intuição. Ao ser lançado, em uma nota no Correio da Manhã, o jornal carioca da época, assinada por Carlos Drummond de Andrade, lia-se a advertência sobre o autor de Primeiras Estórias: “não facilitem com o Rosa: ele diz sempre outra coisa além do que está dizendo; sua arte não fica nas palavras, vai à captação do sentido metafísico do universo”.

 

A relevância para a literatura da chegada às livrarias, há 60 anos, do quarto livro de prosa de Guimarães Rosa, explica a realização de maio a agosto deste ano das atividades enfeixadas sob a denominação Colóquio Internacional Primeiras Estórias60 anos. A iniciativa e a realização são do grupo Siruiz (CNPq/UnB) em parceria com pesquisadores da Universidade Católica de Brasília, da Universidade Nova de Lisboa e do Museu Casa Guimarães Rosa de Cordisburgo, localizado em Minas Gerais.

 

O convite, que se insere nas comemorações dos 60 anos da UnB, é para ler, reler e discutir ao longo de quatro meses. Nesse período, serão ministradas palestras online por especialistas e estudiosos convidados de várias universidades do país e do exterior. A abertura será transmitida diretamente do Museu Casa Guimarães Rosa. A programação e demais informações poderão ser acompanhadas pela página Primeiras Estórias do site do Grupo Siruiz (clique aqui).

 

Neste ano, em que se registra uma rara conjunção de efemérides, tais como, bicentenário da Proclamação da Independência brasileira e centenário da Semana de Arte Moderna, vale a pena refletirmos sobre as obras, que coincidentemente completam 60 anos, de dois dos mais importantes intérpretes do Brasil.

 

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