OPINIÃO

Arte: Patrícia Meschick

 

 

Gilberto Lacerda Santos é professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília; graduado em Matemática (UnB e UniCeub); especialista em Análise de Sistemas (Universidade Católica de Brasília); mestrado em Tecnologias na Educação (Universidade Laval, Canadá); Ph.D. em Educação (Universidade Laval, Canadá). É também doutor em Sociologia do Conhecimento Científico e Tecnológico (Universidade de Brasília).

Gilberto Lacerda Santos

 

Diretor de teatro, ator, figurinista, coreógrafo, cenógrafo, músico, iluminador, teatrólogo, acadêmico. Tudo isto foi nosso Hugo Rodas, esse redemoinho criativo uruguaio que deixou sua marca em Brasília, onde chegou nos anos 70, e que não será nunca mais a mesma depois de sua partida, cinco décadas depois. Mas, isso todos sabemos. E, por tanto sabermos, eu gostaria de explorar aqui uma outra faceta desse artista singular, que também foi um exímio, refinado e contundente educador, no sentido mais amplo e clássico desse substantivo atualmente quase abstrato.

Paideia é um termo do grego antigo, empregado para sintetizar a noção de educação na sociedade helênica clássica. Remetia, inicialmente, à "criação dos meninos", ou seja, referia-se à educação familiar, aos bons modos e aos princípios morais. E Hugo Rodas fez justamente isto, enquanto educador de primeira grandeza: gerou, catalisou, moldou, esculpiu diversas gerações de artistas cênicos para Brasília e para o Brasil, os quais reverberam sua voz, sua criatividade e sua energia pelos palcos desta cidade, deste país, deste mundão por aí afora.


Tanto quanto nos ideais educativos da paideia, por meio dos quais os gregos foram os primeiros a colocar a educação como problema e a moldá-la praticamente da forma como a conhecemos até hoje, Hugo Rodas também se imbuía de plena responsabilidade para encarar o problema da formação de novos atores, pautados pelo rigor - sim e sempre e de modo incontornável -, mas também pela liberdade plena para criar e para inovar, seja na poesia, na tragédia ou na comédia. Os Sofistas e depois Sócrates, Platão, Isócrates e também Aristóteles elevaram o debate da educação ao estatuto de uma importante questão filosófica. Hugo Rodas parecia ter bebido desta mesma fonte e encarava seu ofício de educador para as artes como uma abordagem filosófica, como uma verdadeira filosofia de sua vida.


Da mesma forma que, na sociedade grega, esta educação clássica era um modo de formação que buscava educar o corpo e a mente, a partir das atividades relacionadas com a cultura e a filosofia, Hugo tecia, nas rodas de seus inúmeros teares, um método próprio, inovador, revolucionário, que, ao longo dos anos, deixou um legado coeso, surpreendente, fresco, saboroso, que influenciou todo o modo de compreender o papel da educação para as artes cênicas, o que o fez ascender ao nível de professor emérito da Universidade de Brasília.

A paideia candanga de Hugo Rodas propunha uma educação cênica que, nos mesmos ladrilhos da paideia grega, preservava a ideia de utilidade social, como uma ferramenta de transmissão de conhecimento, capaz de transformar individual e coletivamente, bem como de formar artistas nutridos da simplicidade e da complexidade das artes cênicas. Artistas inovadores, portadores dos modos bons, irreverentes, críticos e agudos que eram a marca registrada de Hugo Rodas, os quais acabam, se pensarmos bem, constituindo também um excepcional código moral. Talvez justamente o código moral que nos falta hoje!

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