OPINIÃO

 

Antenor Ferreira Corrêa é professor do Departamento de Música da UnB. Compositor, percussionista e pesquisador em arte e tecnologia.

Antenor Ferreira Corrêa

 

Durante os 60 anos de existência, graças à atuação de alguns docentes, a Universidade de Brasília foi reconhecida nacional e internacionalmente não somente como uma instituição produtora de conhecimento científico, mas também como pioneira em momentos e movimentos ligados às vanguardas artísticas. Esse pioneirismo artístico reverbera, por exemplo, em nomes como Cláudio Santoro (criador do Departamento de Música da UnB) e Conrado Silva (compositor que trouxe o primeiro sintetizador para o Brasil). Entretanto, em nenhum outro momento UnB e vanguarda estiveram tão entrelaçadas como pelas mãos do Artista Jorge Antunes.

 

Admitido como professor na Universidade em 1973, à época com 31 anos de idade, Antunes trouxe consigo sua verve experimentalista iniciada já desde a adolescência. Aos 19 anos de idade, compôs uma das obras inaugurais da linguagem eletroacústica produzida por um brasileiro, obra que recebeu o título de Pequena Peça para Mi Bequadro e Harmônicos (1961). De lá até hoje, mesmo após sua aposentadoria, Jorge Antunes segue como um dos mais produtivos e criativos artistas brasileiros.


Ao longo dos anos, Jorge Antunes sempre se mostrou um experimentalista incondicional e incansável. Seu catálogo de obras é muito extenso demonstrando versatilidade e, sobretudo, pioneirismo. Hoje é comum ler em livros ou em catálogos artísticos textos exaltando procedimentos como “estética da gambiarra”, “glitch art” e mesmo “multimodalismo” sem se dar conta que estes já foram explorados por Jorge Antunes há décadas. A obra Movimento Browniano (1968), por exemplo, incorpora os ruídos “indesejados” captados pelo microfone, sonoridades estas provenientes do próprio equipamento, de falhas na corrente elétrica ou mesmo de ruídos do ambiente que o isolamento acústico não dava conta de barrar. A admissão dessas “falhas” durante a produção de uma obra é a principal característica da “atual” glitch art.


Do mesmo modo, procedimentos enaltecidos como modernos, do tipo “faça você mesmo” (do it yourself) e a estética da gambiarra, já se faziam presentes na produção criativa de Jorge Antunes naquilo que, na década de 1960, ele denominou de estética da precariedade. Atitude esta que explicitava a falta de recursos e de infraestrutura similar às dos criadores de música eletroacústica no exterior, como Pierre Schaeffer ou Karlheinz Stockhausen, que tinham acesso aos recentes equipamentos e tecnologias no estúdio das rádios onde trabalhavam e criavam. Todavia, no lugar de servir como impedidor, as limitações estimularam a atitude criativa de Jorge Antunes que driblou a escassez tecnológica com inventividade. Obras como Fluxo luminoso para sons brancos I (1964) e Valsa Sideral (1965) configuram-se como marcos da história da música brasileira nas quais transparecem toda a verve criativa de Antunes.


Não é possível falar de Jorge Antunes sem associá-lo à atitude política que, diga-se de passagem, deveria estar imbuída nos programas universitários. A militância estética e política é uma das marcas registradas de Jorge Antunes que sempre advogou em defesa dos direitos mais básicos do cidadão, como o direito à liberdade de expressão.


Além de servir de locomotiva de vanguarda artística, Antunes também vinculou a UnB aos momentos cruciais da história brasileira, como o movimento Diretas Já (direito negado em 1984 e que motivou Antunes a compor, no mesmo ano, a Sinfonia das Diretas, ou Sinfonia das Buzinas, como a obra passou a ser conhecida, em protesto contra a privação deste direito democrático aos brasileiros) e a comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil (para o qual compôs, em 1999, a Cantata dos dez povos). Também constam em seu catálogo diversas obras compostas como reação e homenagem a personalidades importantes na luta pelos direitos humanos, tais como Elegia Violeta para Monsenhor Romero (de 1981, em homenagem ao religioso que lutava por justiça social em San Salvador) e a Ópera Olga (1987/1997, sublime homenagem de Antunes à Olga Benário, mulher de Luiz Carlos Prestes, que, após ser presa pelo governo de Getúlio Vargas, foi entregue à Gestapo e assassinada na câmara de gás).


Neste ano em que a Universidade de Brasília celebra 60 anos de existência, é certamente relevante relembrar os fatos que fizeram com que essa instituição se tornasse um dos grandes polos de formação e produção de conhecimento do Brasil. É importante, todavia, tomarmos esse momento para relembrarmos nomes como os de Jorge Antunes que, como outros docentes, contribuíram para que a UnB também estivesse ocupando posição de destaque nas vanguardas estéticas internacionais.  

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