OPINIÃO

Rodrigo Portela Gomes é professor Universitário. Doutor e mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Coordenador de Atividades do projeto de extensão, Centro de Documentação Quilombola Ivo Fonseca. Autor do livro Constitucionalismo e Quilombos.

Rodrigo Portela Gomes

 

A fragilização do signo comemorativo sobre o 13 de maio tem relação estreita com a reconstrução histórica da formação social do Brasil protagonizada pela população negra na pós-abolição. Uma releitura que se fez como prática de enfrentamento ao racismo, hoje é mais um dia de luta. Não há nada que comemorar diante do genocídio da juventude negra; da desterritorialização das comunidades quilombolas e indígenas; da vulnerabilidade na covid-19; da criminalização da população negra; do retrocesso nos direitos trabalhistas; da precarização dos serviços públicos de saúde e educação; dos ataques às comunidades religiosas de matriz afro-brasileira.


Considerando o conjunto de violências que nossas tecnologias sociais ainda enfrentam, o evento da “abolição” deve ser dimensionado junto a outros igualmente importantes. Portanto, como resultado da luta da população contra o racismo, deve ser pensado a partir de princípios que nossas trajetórias vêm elaborando, a exemplo da autonomia quilombola. Nessa missão, encontra-se o Centro de Documentação Quilombola Ivo Fonseca, projeto de extensão vinculado à Faculdade de Direito da UnB, idealizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) para contribuir com a reconstrução do Brasil.


A partir dele, dimensiona-se a participação dos quilombos na concepção, prática e defesa da Constituição Federal de 1988. Mobilizações como a Marcha Zumbi 300 anos, no dia 20 de novembro de 1995, e a fundação da Conaq, no dia 12 de maio de 1996, fundamentais para articulação nacional do movimento quilombola, decorrem de lutas locais na segunda metade do século XX que mobilizaram setores da sociedade civil – sindicatos de trabalhadores rurais, grupos de pesquisa, movimento negro urbano e grupos confessionais – na defesa dos territórios negros. Essas comunidades teceram redes políticas, agenciaram discursos e mobilizaram práticas constitutivas da redemocratização e que viabilizaram a inscrição de direitos e garantias à população negra no projeto constitucional de 1988, a exemplo do art. 68 do ADCT.


Portanto, a história do movimento quilombola vincula-se à luta contra o racismo, denunciando a falsa abolição, mas também a falsa democracia racial e o processo desconstituinte, aprofundado no contexto pandêmico, ambos implicados em demover o Estado Democrático de Direito. Os mais de 6 mil quilombos no Brasil denunciam, diariamente, os resultados do pacto racista. Tanto as lutas locais em defesa dos territórios negros no período pré-constituinte, quantos as recentes campanhas #vidasquilombolas importam, constituem uma historicidade da luta por direitos dos quilombos que evidenciam outras possibilidades diante da violência racial.


As narrativas quilombolas de luta por direitos oferecem outros conteúdos, como a autonomia, a territorialidade e a oralidade, que podem ser instrumentalizadas para reconstruir as histórias de liberdade da população negra. Mais que isso, a política dos quilombos nos orienta que liberdade, assim como outros valores fundamentais para a democracia constitucional – igualdade, propriedade e cidadania – não são apenas postulados ideais, mas são práticas radicais e cotidianas. Com as comunidades quilombolas temos aprendido que o enfrentamento ao racismo atravessa as nossas estratégias para recriar a vida negra.

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