OPINIÃO

 

Saulo Rodrigues Pereira Filho é doutor em Ciências Naturais - Universitat Heidelberg, Alemanha. Possui pós-doutorado em Estudos Ambientais pela University of California, Santa Cruz e University of California, Merced. Professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB).

Saulo Rodrigues Pereira Filho

 

Diante da ocorrência mais frequente de extremos climáticos no Brasil, com grandes inundações e deslizamentos de encostas no Sudeste, e secas prolongadas no Nordeste, Centro-Oeste e Sul, a população tem se tornado cada vez mais sensível ao tema das mudanças climáticas, na medida em que crescem os prejuízos e as perdas que esses eventos têm causado à sociedade.


No caso do Distrito Federal, é preciso destacar uma vulnerabilidade muito particular dessa região do Brasil, localizada no Planalto Central junto às principais nascentes de grandes bacias hidrográficas brasileiras. Essa situação geográfica do Distrito Federal nos coloca numa condição em que inexistem fontes de água acima de nós, à montante, e nos torna mais dependentes de um regime de chuvas regular, nossa única fonte desse bem cada vez mais valioso, a água.


Como ocorreu em 2016/2017, um período de prolongada estiagem causada pelo fenômeno climático El Niño, levando a uma inédita crise hídrica com racionamento de água para a população do Distrito Federal, existe uma probabilidade elevada de que novas crises venham a ocorrer, conforme indicam as projeções de diversos modelos climáticos para as próximas décadas. A pergunta não é, portanto, se novas crises irão ocorrer, mas quando. Pode ser já em 2024/2025, ou 2029/2030, seguindo os intervalos de ocorrência do fenômeno El Niño, e a depender de sua intensidade, que aquece as águas do Oceano Pacífico e impacta o clima em toda a América do Sul.


Essa vulnerabilidade do acesso à água no DF precisa ser encarada de forma séria pelos governantes, a partir de uma perspectiva de tempo que vai além dos mandatos de quatro anos de governos, pois os planos de mitigação e adaptação requerem um tempo relativamente longo de implementação para apresentarem os resultados esperados.


A Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal instituiu planos de governo de mitigação e adaptação às mudanças climáticas em 2021 para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos. O plano de mitigação refere-se à redução das emissões de gases de efeito estufa, principal causa das mudanças climáticas, enquanto que o plano de adaptação se dedica ao enfrentamento dos impactos ocasionados por eventos climáticos, por meio de ações voltadas para a redução de danos que são previsíveis, como aqueles provocados pela escassez de água. O grupo de pesquisa da Rede Clima na UnB, sediado no Centro de Desenvolvimento Sustentável, tem contribuído com a Sema-DF para a elaboração dos planos de adaptação, que são o objeto de pesquisas da Rede Clima na UnB desde 2007.


Com relação à adaptação aos impactos climáticos, fica muito clara a questão do uso irracional da água no Distrito Federal, que leva a perdas e desperdícios que podem ser evitados. É preciso instituir formas eficientes de tornar o uso da água mais racional, reduzindo a pressão sobre os reservatórios do Descoberto e de Santa Maria. O tempo todo nós observamos condomínios residenciais e edificações comerciais fazendo uso da água tratada, portanto água potável, para finalidades que não necessitam de água potável, como por exemplo irrigação de jardins, gramados, lavagem de dependências de condomínios e de automóveis. Todo esse consumo de água representa usos que podem utilizar a água da chuva, devidamente coletada e armazenada em cisternas sem qualquer prejuízo aos usuários. Para isso, são necessárias medidas de controle da qualidade da água de chuva, mesmo para uso menos nobres, por meio de cloração das cisternas, de modo a evitar a proliferação de microrganismos nas águas armazenadas.


A boa notícia é que essa mesma característica fisiográfica do Distrito Federal nos torna menos vulneráveis aos eventos extremos de chuva, que levam a grandes enchentes e inundações em outras regiões do Brasil, pois nossos rios possuem reduzido volume de água. Entretanto, pode-se observar também um duplo benefício com a ampliação da prática de coleta e armazenamento da água da chuva, que traz o benefício adicional de redução do escoamento superficial da água da chuva, que tem provocado alagamentos em alguns pontos críticos do Distrito Federal.


Por fim, a ampliação da arborização no Distrito Federal, especialmente nas regiões administrativas mais críticas, como Taguatinga, Ceilândia, Sobradinho e Planaltina, traz benefícios claros para o conforto térmico da população e para a estética da paisagem, além de contribuir para a estabilidade dos solos diante de eventos extremos de chuva, evitando deslizamentos e também contribuindo para a captura de carbono da atmosfera, explorando o papel das árvores como sumidouros de carbono.



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