Sergio Fernandes Senna Pires é pesquisador colaborador no Instituto de Psicologia (IP/UnB)

Sergio Fernandes Senna Pires

 

Klara Castanho, ao ter sua intimidade violada nas redes e ao ser atacada por haters, resumiu a sua história - Fui Estuprada! Normalmente, me refiro que as redes sociais proporcionam, entre outros espaços, uma versão moderna dos freak shows, nos quais pessoas com deficiência eram expostas em circos. Isso ocorreu até meados do Século XX. Felizmente, as pessoas perceberam o absurdo que isso significava.

 

O importante é compreender que existem pessoas que utilizam os novos meios tecnológicos com os velhos propósitos. A tecnologia avança, mas a nossa evolução emocional, não necessariamente, acompanha esse processo.

 

Assim como as redes são utilizadas com a finalidade de expor as bizarrices de nossas sociedades, também servem como pelourinhos modernos e para processos dignos da brutal idade média.

 

Estaríamos, então, vivendo uma versão digital da idade das trevas? A resposta parece, assustadoramente, ser afirmativa...

 

Haters e a falta de empatia

 

Somos testemunhas de comportamentos de ódio nas redes. Assim como os usos da energia nuclear, as redes podem ser utilizadas para o bem ou para o mal. Esse fenômeno nos indica que a ambiguidade não é das redes, mas de quem a utiliza.

 

Alguns assumem que somos naturalmente bons e que a corrupção vem pelo social. Outros julgam que "pau que nasce torto morre torto". O comum entre essas duas concepções antagônicas é que naturalizam o bem ou o mal. Todos temos o potencial de sermos bons ou maus. São as nossas ações que mostrarão qual dessas posições adotamos, em um caso concreto.

 

Nesse contexto, a empatia é um dos simuladores que temos em nosso psiquismo. É a forma de simularmos o processo decisório e emocional das outras pessoas. Não tem relação necessária com a realidade, pois até mesmo diante de um filme, mostramos empatia ao nos emocionarmos com os atores, mesmo sabendo ser uma ficção. Entretanto, nas redes, parece ocorrer a empatia ao reverso. Ao identificar alguém que está precisando de apoio emocional, os haters invertem a solidariedade e oferecem ódio, desprezo e ofensas.

 

O fascínio pela fofoca

 

A fofoca é um fenômeno antigo e geral. As redes ampliaram esse poder. No caso dos jornalistas cujas matérias se resumem a fofocas, entendo que se colocam na posição de "inside traders". Querem evidenciar que têm acesso exclusivo à intimidade de gente famosa, numa demonstração fática de que "quem detém a informação, detém o poder" [Alvin Toffler]. São mantidos pela curiosidade alheia. Caso não houvesse quem se interessasse por essa categoria de matéria, ela não existiria. Então, quem as consome são corresponsáveis pelos abusos. Uma das últimas vítimas foi a atriz Klara Castanho, o que veremos a seguir.

 

O caso Klara Castanho

 

Klara Castanho foi exposta nas redes. Internautas, ao descobrirem que ela havia dado à luz e providenciado a adoção da criança, começaram a levantar hipóteses e a ofender a atriz. Tal foi a sua comoção, que resolveu narrar e expor a sua história; que essa criança havia sido fruto de um estupro e que não tinha condições de exercer a maternidade.

 

Fatos semelhantes ocorreram antes da era digital, como o do ator Mario Gomes, em 1977, que tem que contar e recontar o caso de sua suposta entrada num hospital do Rio de Janeiro para uma cirurgia constrangedora.

 

Analogamente, em um evento de flagrante invasão de sua privacidade, Klara Castanho resume a sua dor: "Fui estuprada". Provavelmente, será revitimizada muitas vezes em sua vida.

 

Praça pública para pessoas sem empatia

 

Podemos concluir que a brutalidade semântica e os linchamentos nas praças das redes, a moderna versão da brutalidade medieval, seguirão ocorrendo.

 

Infelizmente, vítimas como Klara Castanho seguirão revivendo o seu trauma por longo tempo. O que, então, fazer com os haters? A resposta para a pergunta retórica é simples e direta: ejete essas pessoas da sua vida e não tolere os abusos!

 

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