OPINIÃO

Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.

Isaac Roitman

 

Muito cedo, sabemos que somos mortais e que perderemos familiares, amigos e amigas. Pensamos que estamos preparados para os momentos de perda. Não estamos. A notícia da perda de alguém querido ou querida é como uma guilhotina cortando parte de nossa alma. A notícia do falecimento da professora Adalgisa Maria Vieira do Rosário me entristeceu e trouxe à tona muitas lembranças dessa criatura que através de seu conhecimento e ternura, moldou a personalidade e comportamento de muitos seres humanos.


Adalgisa, professora aposentou-se em 1988 da Universidade de Brasília (UnB). Nasceu em um pequeno município baiano, Contendas do Sincorá, localizado na região da Chapada Diamantina. Mudou-se para a cidade mineira de Três Marias e depois foi estudar em Belo Horizonte. Foi militante contra a ditadura militar e se auto-exilou em 1965. No seu retorno ao Brasil, incorporou-se à Universidade de Brasília onde ocupou cargos relevantes e participou de iniciativas virtuosas, muitas com sua colega historiadora, a saudosa professora Geralda Dias. Na UnB participou ativamente de muitos espaços que lutavam pela democracia. Fez parte da diretoria da Associação de Docentes da UnB (ADUnB) e estava sempre presente em movimentos por boas causas.


Sempre com sorriso, amorosa e com cortesia era uma pessoa admirada pela comunidade universitária. Sua simplicidade, uma de suas virtudes materializava o pensamento de Clarice Lispector: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho".


Convivi com Adalgisa na Colina, conjunto residencial do Campus Darcy Ribeiro da UnB. Ela adorava as crianças e essa adoração era recíproca. Conhecia as crianças pelos nomes e acompanhava o desenvolvimento delas. Em 2011-2012, foi implantada a Comissão UnB 50 anos, para celebração do cinquentenário da Universidade. Fomos companheiros nessa comissão e que contava também com alguns professores com mais de 70 anos: Aldo Paviani, José Carlos Córdova Coutinho, o saudoso Luís Humberto Miranda Martins Pereira e Wladimir Carvalho. Como alguns de nós usávamos bengala, o grupo foi apelidado de “tigres de bengalas”. Esse grupo propôs várias ações entre elas muitas propostas da querida Adalgisa. Pelas inúmeras e importantes atuações na UnB, ela agora faz parte da história de nossa linda e necessária Universidade que comemora em 2022, 60 anos.


Transcrevo abaixo o pensamento da reitora da UnB, professora Márcia Abrahão de Moura: “A professora Adalgisa Maria Vieira do Rosário foi uma grande defensora das causas sociais que teve uma trajetória importantíssima para a História e para a história da Universidade e cuja passagem pela instituição deixou um legado de enorme relevância para a memória da UnB. Suas contribuições para o resgate de fatos, nomes e contextos que teriam se perdido sem sua preocupação recorrente com a nossa história, especialmente do movimento estudantil, estão conosco, assim como sua defesa incondicional pela democracia". Nos seus 86 anos de vida, se enquadra no pensamento do poeta Marcos Lesiuk: “Nascemos anônimos, para construir nosso legado"."


Devemos fazer de nossas vidas uma bela história. Fazer nosso tempo valer a pena. Para que mesmo na morte sejamos lembrados. Lembrados por ações memoráveis e atitudes épicas. Lembrados por construir um legado inesquecível. Nascemos anônimos para morrer como uma lenda”.


Descanse querida Adalgisa, você viverá sempre em locais sagrados das nossas memórias. Vale para você, os versos de Mario Quintana: “Na mesma pedra se encontram / Conforme o povo traduz, / Quando se nasce – uma estrela, / Quando se morre – uma cruz. / Mas quantos que aqui repousam / Hão de emendar-nos assim: / “Ponham-me a cruz no princípio... / E a luz da estrela no fim! ”


Obrigado, professora Adalgisa pelo privilégio que tivemos de usarmos a sua luz para iluminar os nossos caminhos. Adeus, amiga querida.

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