OPINIÃO

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Márcia Abrahão Moura é reitora da Universidade de Brasília (UnB).

Márcia Abrahão

 

É com muito orgulho que a Universidade de Brasília recebe, de 24 a 30 de julho, a 74ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC.

 

No ano em que comemora 60 anos de existência, a UnB abre corações e mentes para o maior e mais importante encontro da comunidade de pesquisadores brasileiros.

 

Darcy Ribeiro – que completaria cem anos em outubro – e Anísio Teixeira sonharam com uma universidade ousada, diferente de tudo que existia no Brasil, capaz de dominar todo o saber humano e de colocá-lo a serviço do desenvolvimento nacional. A Universidade de Brasília deveria “pensar o Brasil como problema”.

 

Podemos dizer hoje com certeza que a comunidade da UnB tem conseguido manter firmes os ideais vanguardistas da sua origem, mesmo tendo, como mostrou o vídeo, em alguns momentos, que resistir aos que atacam a sua existência. Isso ocorreu na ditadura militar, quando perdemos quase todos os nossos professores e tivemos estudantes assassinados, como o meu colega do curso de Geologia, Honestino Guimarães; e, infelizmente, a resistência aos ataques se faz necessária de forma contundente hoje.

 

Nós resistimos. Nos reerguemos, nos reinventamos. Fomos pioneiros e inovamos na educação do nosso país.

 

Pela nossa história, pelo que vivemos hoje e o que projetamos para o futuro, escolhemos o tema Atuante como sempre, necessária como nunca para celebrar o 60º aniversário da Universidade de Brasília.

 

Nos seus 60 anos, esta é a quarta reunião anual da SBPC que a UnB sedia. A primeira foi em 1976; depois em 1987, com o tema O futuro do Brasil hoje. E a última foi há 22 anos, em 2000, com o tema O Brasil na sociedade do conhecimento: desafio para o século XXI.

 

Receber todos vocês na UnB mais uma vez este ano – e agora nos nossos quatro campi – é uma honra para toda a nossa comunidade universitária e certamente para todo o Distrito Federal.

 

Esta é uma grande oportunidade para pensarmos e discutirmos a ciência brasileira e o futuro que queremos para o país. Porque a situação não é nada boa, conforme podemos atestar, infelizmente, todos os dias.

 

Há em curso um projeto sistemático de retirada da liberdade e de recursos das universidades e institutos federais, e de todo o aparato de ciência e tecnologia construído no Brasil desde a década de 1950. A situação também é dramática no CNPq e na Capes.

 

O centro de estudos Sou Ciência, da Universidade Federal de São Paulo, que completou um ano de existência, lançou recentemente o Painel de Financiamento da Ciência e Tecnologia e da Educação Superior Pública, para compreender como se dá o financiamento da ciência no Brasil e projetar soluções. E o exemplo mais gritante da situação desoladora da ciência brasileira é o bloqueio dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que perdeu quase R$ 35 bilhões (dos R$ 64 bilhões arrecadados) nos últimos cinco anos, segundo o estudo.

 

A luta das entidades da comunidade científica, entre elas SBPC, ABC, Conif e também a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), é pela recomposição total e ampliação dos recursos para as universidades e institutos federais e instituições de pesquisa. Precisamos de mais, e não de muito menos! Em 2021, com forte atuação no Congresso Nacional da comunidade científica, conseguimos que os recursos do FNDCT não pudessem mais ser contingenciados. Este ano, tivemos que atuar novamente para impedir a retirada de mais R$ 2,5 bilhões do FNDCT.

 

Tive a felicidade de coordenar o Reuni (Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) na UnB de 2008 a 2011, nas gestões do saudoso reitor Roberto Aguiar e do reitor José Geraldo. O programa ampliou o acesso ao ensino superior público federal no Brasil. Nossa dificuldade na época era dar conta de executar rapidamente os vultosos recursos que recebíamos.

 

Nestes últimos cinco anos, infelizmente, os cortes abruptos que atingem diretamente o orçamento das universidades federais projetam cenário desolador para as nossas instituições, que, junto com as universidades estaduais, são responsáveis por mais de 90% da produção científica no Brasil. Estamos nos afastando cada vez mais de alcançar a meta 12 do Plano Nacional de Educação.

 

É preciso dizer com todas as palavras: as decisões governamentais sobre orçamento para educação promovem um caos proposital, com a clara intenção de minar o ensino superior público, gratuito e democrático.

 

Retirar dinheiro do ensino superior é tornar ainda mais precária a vida de milhares de jovens brasileiros que sonham com um futuro melhor para suas famílias e o país. Essa atitude prejudica a permanência na universidade de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica e afasta os jovens da pesquisa científica e do país. Prescindir da educação de qualidade, da ciência, da inovação e da tecnologia significa abrir mão da soberania nacional.

 

Afinal, que país é este que não aprende suas lições? O que se viu nos dois últimos anos, atravessados por uma pandemia, foram respostas claras e bastante objetivas da ciência brasileira e das universidades públicas. E esse é o lado positivo da atual realidade, se há algum. Isto é, a ciência brasileira segue viva apesar de tudo, porque continuamos a trabalhar incansavelmente todos os dias, e com muita paixão. Se nossos cientistas tivessem sido efetivamente ouvidos, milhares de vidas de brasileiros teriam sido poupadas nesse período.

 

Nossas respostas, entretanto, ainda são insuficientes diante de um mundo em constante ebulição e de um planeta em franca destruição pelo ser humano. Para corresponder aos anseios de um país sedento por progresso efetivo e para cuidarmos do planeta, a pesquisa científica precisa de financiamento permanente e sempre em ascensão.

 

Mas nós estamos aqui reunidos para dizer não à situação em que nos encontramos e sim a um futuro em que a ciência esteja na base das decisões governamentais.

 

A sociedade brasileira não permitirá a continuidade do sucateamento proposital de um setor que promove inclusão e excelência. Não admitiremos a propaganda enganosa da “balbúrdia” quando o que se faz na universidade pública é tão-somente o cumprimento de missão delegada constitucionalmente por todos e para todos: desenvolver uma nação soberana e democrática a partir do conhecimento.

 

Este histórico encontro da SBPC constitui oportunidade única para darmos visibilidade e voz a professores, pesquisadores e estudantes de todo o país, com um desejo: trabalhar em paz em prol do bem comum.

 

Sob o tema Ciência, independência e soberania nacional, a vasta programação desta reunião da SBPC, nos formatos presencial e on-line, retrata essa grandeza. É momento de mostrar o que sabemos e fazemos. Que este encontro marque a retomada do valor justo e real da educação e da ciência, para que o Brasil saia da contramão e não se torne mais vulnerável nas respostas aos desafios locais e globais.

 

Não há soberania sem uma educação comprometida com a democracia e com a nossa população e o planeta, e sem um aparato científico robusto. Por isso, gostaria que neste encontro, que ocorre em uma universidade federal com a história que a UnB tem, fosse também firmado o compromisso claro da comunidade científica nacional e da SBPC com a autonomia universitária, que inclui a verdadeira liberdade de cátedra, legislação que garanta o financiamento das universidades federais independentemente de governos e o fim da lista tríplice para nomeação de reitores, com respeito à escolha democrática das comunidades das nossas universidades.       

 

Estaremos juntos ao longo desta semana para mostrar a todo o Brasil e ao mundo que não apenas a UnB, mas todos os espaços públicos e privados onde florescem o conhecimento e o trabalho científico são necessários como sempre foram, e devem continuar atuantes como nunca, para vislumbrarmos um país mais sábio, mais justo e mais democrático.

 


Em parceria com várias entidades e organizações governamentais e não governamentais, às quais agradecemos, a UnB se coloca de braços abertos para receber as comunidades universitárias e a sociedade brasiliense, brasileira e estrangeira em seus espaços de afeto e saber, construídos no cotidiano da capital há seis décadas.

 

Agradeço a todos os docentes, técnicos, estudantes e demais trabalhadores que têm se dedicado arduamente para tornar este evento realidade. Um agradecimento especial à decana de Pesquisa e Inovação da UnB, professora Maria Emília Walter, que coordena as equipes da UnB e é responsável pela interlocução com a diretoria da SBPC, sempre com extrema competência e delicadeza, que são a sua marca.

 

Mais do que nunca, nos próximos dias a Universidade é um lugar aberto, diverso e democrático.    

 

Sejam muito bem-vindas, muito bem-vindos à Universidade de Brasília. Aproveitem cada momento desta grande e importante reunião. Contem conosco para o que precisarem.

 

Um abraço forte.
 

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