OPINIÃO

Gabriel Dorfman é doutor em Arquitetura pela Technische Universität Berlin. Professor associado do Departamento de História da Arquitetura e do Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.

Gabriel Dorfman

 

Mostras de jardins existem há tempo na Europa: na Inglaterra, desde os anos 30 do século XIX. Na Alemanha, desde 1865.

 

No Brasil, tais mostras são inéditas. As possíveis causas disso vão desde sua inexistência nos Estados Unidos (fonte de tudo o que se imita no Brasil), até o fato de que elas pouco coadunam com o ritmo frenético que a cultura nacional vê como sinal de pujança e criatividade.

 

Jardins são como antíteses do que a alma nacional considera "moderno"; são vistos como objetos de um tempo que ficou para trás; áreas verdes que mostrem composição, ordem e intenção são vistas como arcaísmo. Espera-se das áreas verdes que elas pareçam bem "naturais" e "espontâneas"; por isso, disseminam-se as formas "livres" e pastiches dos jardins de Burle Marx.  

 

O campus da UnB é exemplo da opção pelos não jardins: colagem de edificações desconexas, envoltas e ocultas por vegetação que brota casual e "espontaneamente", desperdiçando-se aí a chance de prover o Distrito Federal de espaços forjados por claras intenções estéticas.

 

A amorfia do campus Darcy Ribeiro é amostra da amorfia da maioria das áreas verdes do Distrito Federal; nestas, como naquele, predomina o acaso, travestido de "espontâneo", "natural".

 

Assim, paradoxalmente, Brasília, com uma quantidade de áreas verdes única no país, carece de jardins. Perde-se a chance de convertê-la em capital brasileira dos jardins.

 

Constatam-se, portanto, duas carências: a insensibilidade para com o significado dos jardins no patrimônio cultural de uma nação (1ª.) e a falta desses objetos artísticos na capital dessa nação (2ª.). A realização em Brasília da 1ª. Mostra Brasileira de Jardins permitiria superar essas duas carências simultaneamente; de quebra, brasileiras/os teriam chance de relativizar os preconceitos que grassam contra sua capital, maior realização cultural do país no século XX.

 

Brasília é cenário adequado à realização desse projeto, primeiro, porque foi concebida como uma cidade-jardim.

 

Segundo, porque o clima de Brasília se presta a um evento como esse, que deve desenrolar-se a céu aberto, com temperaturas amenas e sem a ameaça de chuvas.

 

Terceiro, porque Brasília é equidistante de todas as regiões do Brasil.

 

Quarto, porque Brasília, sendo capital da nação, deve ser ponto de encontro das correntes culturais que compõem a nação, o que pode ser representado na mostra implantando-se jardins com características dos vários biomas brasileiros.

 

De resto, abundam em Brasília os espaços aptos a dar suporte à diversidade de temas de uma mostra de jardins: as praças secas dos setores culturais, comerciais e administrativos, por exemplo, são ideais para receberem pérgolas e vasos com árvores e arbustos, criando ali zonas de estar sombreadas e aprazíveis; já os gramados dos Eixos e Esplanadas poderão ser definitivamente configurados, tornando-se verdadeiros JARDINS.

 

Dentre os espaços carentes de configuração, estão as 128 superquadras do Plano Piloto; cochilam ali ambientes dotados de dimensões e formatos próprios das praças da cultura urbanística ocidental, esperando que a vegetação (além de outros elementos paisagísticos) seja utilizada para realizar esse potencial inexplorado. Uma mostra de jardins seria o momento de revelar ao mundo as centenas de praças adormecidas de Brasília.

 

Resumindo: o legado de uma Mostra de Jardins beneficiaria a vida dos habitantes do Distrito Federal, estendendo a todos as excepcionais qualidades urbanas que têm sido monopólio dos privilegiados que vivem no Plano Piloto e nas zonas contíguas a ele. A isso somar-se-ia o (re)conhecimento de que jardins NÃO ESTÃO extintos, sendo sua principal missão a de trazer beleza e sentido ao mundo que os seres humanos constroem em meio ao caos universal.

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