OPINIÃO

Vanessa Machado é doutoranda em Sociologia. Cientista Política e mestre em Sociologia. Autora do livro Lei de Cotas no Ensino Superior e Racismo Institucional.

Vanessa Machado

 

Sabe-se que o ano de 2022 é um marco para as discussões sobre ações afirmativas no Brasil, uma vez que a Lei 12.711/2012 completa dez anos de vigência, em seu artigo sétimo a Lei prevê a revisão da política de acesso ao ensino superior por meio das cotas. Nesse contexto, diversos setores da sociedade têm se debruçado a refletir e pesquisar sobre o impacto desta legislação ao longo dos últimos dez anos. A questão racial sempre foi central no debate das ações afirmativas no país. A Universidade de Brasília foi pioneira na implementação das cotas raciais entre as Universidades Federais. Além da UnB, no início dos anos 2000 outras Universidades Estaduais no Rio de Janeiro, na Bahia e em Mato Grosso do Sul também formularam e implementaram políticas de ações afirmativas para que mais negros ingressassem no ensino superior.

 

Desse modo como nota-se, os últimos 20 anos têm sido de experimentação e avaliação dos resultados das ações afirmativas. O ano de 2001 foi importante para as discussões sobre antirracismo no Brasil, por ocasião da Conferência de Durban. A Conferência Mundial contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias correlatas da ONU realizada na África do Sul, contou com importante participação do Brasil. O país foi representado pelos diplomatas e, além deles, se fizeram presentes acadêmicos, ativistas e representantes de movimentos sociais, que debaterem relações raciais e estratégias de enfrentamento ao racismo. No relatório conclusivo do evento a adoção de ações afirmativas é apontada como uma necessidade para inclusão social de negros em países como o Brasil.

 

Relatos históricos indicam que a decisão pela criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003, esteve correlacionada com os compromissos assumidos pelo Brasil em Durban. A partir da participação naquela conferência internacional o país não pôde mais negar seu racismo e manter-se inerte na implementação mudanças efetivas. A criação da Secretaria alavancou o debate já existente no país sobre ações afirmativas. Assim como expõe Matilde Ribeiro (2014) em seu livro Políticas de Promoção da Igualdade Racial a pauta das ações afirmativa sempre esteve muito relacionada à criação da SEPPIR e, no foco, do planejamento das políticas públicas pensadas para os negros.

 

A existência da Lei Cotas (12.711/2012) colocou as discussões sobre ações afirmativas no Brasil em um novo momento. Ou seja, até a década de 1990 ocorreram discussões sobre a viabilidade da implementação dessas políticas, o que se limitava ao plano discursivo e das ideias. Já na primeira década dos anos 2000 notou-se a difusão de modelos de ações afirmativas sendo implementados em todo o país, passando da ideia e do plano discursivo para a prática e o experimento. A partir de 2012, com a nova normativa, passou a existir um padrão de cotas a ser implementado pelas Instituições Federais de Ensino Superior e Técnico. Dez anos depois, em 2022, estamos no período de avaliar os resultados da implementação dessa política.

 

Diversos Grupos de Estudos estão dedicando-se a produção de pesquisas para apuração dos resultados da implementação da Lei de Cotas, acredito que um dos resultados mais importantes e incontestes dos achados diz respeito a efetiva ampliação do perfil dos discentes que ingressam no Ensino Superior. Ocorreu em praticamente todas as Universidade Federais um salto quantitativo dos percentuais de estudantes negros que ingressam e ocupam os diversos cursos das Universidades e Institutos Federais. O impacto desse resultado tem inúmeros desdobramentos que vão desde a diversificação estética desses espaços até a construção e produção acadêmica a partir de novas epistemologias não eurocêntricas. O Brasil ganha muito com essa nova geração de acadêmicos, que ingressaram pelas cotas ao ensino superior. É certo que não existem apenas resultados positivos, a dificuldade de permanência e a falta de políticas de assistência estudantil são outros achados que requerem atenção. Neste ano, o Congresso Nacional tem a missão de realizar a revisão da Lei 12.711/2012, deve-se ressaltar que isso não significa tratar de sua descontinuidade, o enfoque deve ser a identificação dos pontos a serem melhorados para aprimoramento da política. O Brasil precisa seguir no caminho de redução das desigualdades raciais e promoção de condições de vida pautadas pela justiça social.

 

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