OPINIÃO

Christina Maria Pedrazza Sêga é professora aposentada da Universidade de Brasília e doutora em Ciências da Comunicação (Universidade Nova de Lisboa).

Christina Maria Pedrazza Sêga

 

No dia Nacional do Combate ao Fumo (29/08) sinto-me no dever de dar meu testemunho a esse vício que faz parte de tantas pessoas no mundo. Experimentei o primeiro cigarro aos 13 anos. Depois disso, era um cigarrinho aqui outro ali até os 17 anos. A partir dessa idade, comecei a comprar esporadicamente maços de cigarro que duravam alguns dias. Afinal, eu estava no cursinho para o vestibular paulista que sinalizava stress mesmo naquela época em que a concorrência não era tão acirrada como hoje. Porém, a exigência mínima para aprovação e disputar as vagas era de 75% por cento nas provas, em meados da década de 70.

 

Na época em que a televisão brasileira florescia nos lares, recheada de propagandas de bebida e cigarro, até então permitidas pelos órgãos de regulamentação publicitária, os slogans de cigarro faziam parte do cotidiano e do inconsciente dos telespectadores. Foram estimulantes para o consumo de cigarros slogans  de marcas que ficaram gravadas na memória de muitos fumantes, inclusive na minha como: “Minister, para quem sabe o que quer”; “Continental, preferência nacional”; “Hilton, um estilo de vida”; Hollywood, ao sucesso”; “Galaxy, a decisão inteligente” (por ter sido o primeiro cigarro no Brasil a apresentar baixo índice de nicotina e alcatrão); “LS, leve e suave”; “Charm, para quem tem charme”; “Chanceller, o fino que satisfaz”; “Carlton, um raro prazer” e tantos outros menos persuasivos.

 

Vivíamos em uma época embalados por ideologias de liberdade, atitudes e rompimentos de valores tradicionais. No Brasil, prevalecia a ditadura militar e tudo que despontasse como libertador era muito bem-visto. O ato de fumar entre as mulheres, particularmente jovens, era uma dessas expressões de liberdade, autonomia e emancipação. Com o tempo a gente descobre que há muitas formas de se colocar em prática o que se quer, que há muitas preferências nacionais, que estilo de vida depende de um conjunto de coisas, que nenhum cigarro leva você ao sucesso, que fumar nunca foi uma decisão inteligente, que não existe fumaça leve e suave para seus pulmões nem para sua garganta, que charme é uma coisa muito pessoal, que o grau de satisfação é difícil de ser quantificado e que o prazer não precisa ser raro.

 

Amadureci fumando, intercalando com paradas de alguns anos, voltando outros anos, parando, voltando e assim até dia 01/06/2002, coincidentemente um dia após o Dia Mundial Sem Fumo (31/05). Durante os anos de fumante sofri de fortes dores de cabeça, enjoo, falta de ar, palpitações e tosse, muita tosse. Em meados de 2002, com uma cirurgia marcada com meses de antecedência e sabendo das consequências cirúrgica e pós-cirúrgica, fui me preparando aos poucos para que dessa vez fosse uma resolução definitiva contra o vício. Não foi fácil. Mas sabia que eu não tinha mais idade para brincar com a vida. A partir daquele dia nunca mais fumei. Durante os primeiros meses de abstinência evitava ficar perto de quem fumava. Com o passar do tempo nem sempre isso era possível. A maior tentação era durante o sono. Sonhava com a vontade de fumar. Várias vezes dormindo, via maços de cigarro esquecidos em algum canto por alguém e acreditava que ninguém ia notar se eu pegasse algum cigarro escondido. Sentia o cheiro da fumaça dormindo. Quando acordava já não me lembrava do cheiro, apenas dos sonhos que, por sinal, acompanharam-me durante muitos anos. Porém, confesso que desses pesadelos eu me livrei assim como me libertei desse vício e, para a minha felicidade, meus três filhos não o adquiriram.

 

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