OPINIÃO

 

Gustavo de Castro da Silva é doutor em Ciências Sociais (PUC-SP) e professor do Departamento de Audiovisuais e Publicidade (DAP), da Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília. Coordenador dos grupos de pesquisa: Biocom (Biografia, poesia e comunicação) e do Siruiz (Comunicação e produção literária).

Gustavo Castro

 

Durante quatro meses, de maio a agosto, relemos o livro Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, num colóquio internacional que começou com uma aula de Michel Riaudel (U. Sorbonne) sobre “As Margens da Alegria”, e terminou com José Miguel Wisnik (USP) sobre “Os Cimos”. As 21 aulas do colóquio comemoraram os 60 anos do livro (1962-2022).

 

A cada mês, um pesquisador do grupo de estudos Comunicação e Imaginação Literária (Siruiz-UnB/CNPq) refletiu neste espaço sobre um aspecto da obra, um detalhe, uma imagem ou uma ideia. Agora cabe a mim finalizar este pequeno ciclo de textos e agradecer a pesquisadores, professores e estudantes de pós-graduação que contribuíram para o evento. Também agradeço a Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), Universidade Católica de Brasília (UCB), Universidade Nova de Lisboa (UNL) e Museu Casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo (MG).

 

As aulas do colóquio demonstraram as marcas de complexidade do livro, entre elas, a indeterminação, a beleza, o difícil, a singeleza, os níveis de realidade e o senso de transcendência. Velhos e novos leitores de Guimarães Rosa foram contemplados com a múltiplos ângulos de análise, e puderam perceber o caráter complexo da obra. O autor se mostrou em suas flutuações, variações, mediante enigmas e possibilidades, incertezas, hipóteses, aproximações e especulações. Nele, nada era explícito e claro. Ser sábio, diz Guimarães Rosa, implica saber duvidar.  

 

“Viver é impossível”, diz o protagonista do conto “Darandina”, que Cleusa Rios Passos (USP) definiu como “homem empalmeirado”. Darandina é uma palavra de origem desconhecida, pouco usual na língua portuguesa, que significa “confusão”, “lufa-lufa”, “azáfama.” No conto, em uma bela manhã, e sem nenhuma explicação, um homem sobe no alto de uma palmeira em praça pública e lá se instala. A praça está situada ao lado de um hospício, de onde saem enfermeiros e médicos. Forma-se uma multidão: populares, estudantes, políticos, policiais, bombeiros; todos tentam entender o que se passa com o homem. Esse “personagente” ou “psiquiartista” como é definido, enquanto se equilibra no alto da palmeira, tira a roupa e tece falas poéticas e de sabedoria. (Trata-se, portanto, de um equilíbrio instável.)

 

Os outros personagens do conto tentam entender o que se passa com aquele “louco”. São muitas as hipóteses, especulações e decifrações possíveis. O que, afinal, aconteceu? Este grau de complexidade mostra bem o engenho de Guimarães Rosa. No conto (e no livro), ele transita da filosofia à poesia, da psiquiatria à política, da lógica aristotélica a “outra lógica”, da medicina à sociologia, do transe ao trauma, com a destreza de um polímata. Entre as falas absolutamente atuais e proféticas do conto, lemos esta: “Não tem um político direito às suas moléstias mentais?”  

 

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