OPINIÃO

Maria Angela Guimarães Feitosa é doutora em Psicobiologia - Universidade de Michigan Ann Arbor e professora titular da Universidade de Brasília, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento.

Maria Angela G. Feitosa

 

Ouvir permite a comunicação oral e a detecção e localização de sinais de alerta, facilita a inclusão social, a inserção qualificada no mercado de trabalho, e a apreciação estética e emocional. Perder a audição ou tê-la reduzida de forma expressiva traz impactos em várias dimensões da vida. Surdez é o grau extremo de perda auditiva, apenas sons com intensidade de 90 decibéis ou mais são audíveis, impedindo a comunicação oral. Em graus menores, a perda também limita o uso funcional de sons ambientais e a qualidade de vida. Por esta razão incluímos neste artigo as perdas que comprometem, mesmo que parcialmente, a audição.

 

De acordo com a Organização Mundial de Saúde em seu relatório de 2021 sobre audição, mais de 1,5 bilhão de pessoas (ou 20% da população global) tem algum grau de perda auditiva, sendo que 30 milhões têm perda profunda ou completa e pessoas acima de 60 anos representam mais de 58% dos casos de perda auditiva pelo menos moderada. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE em 2019, na população brasileira com dois anos ou mais de idade 1,1% (ou 2,3 milhões) tinha deficiência auditiva. A projeção da OMS de aumento em prevalência de perda auditiva até 2050 recomenda investimento em políticas públicas.

 

Os principais tipos de perda auditiva são a condutiva e a neurossensorial. Na perda condutiva, o comprometimento da cadeia ossicular no ouvido médio prejudica a condução do som até a cóclea, que chega atenuado. Na perda neurossensorial as células receptoras localizadas no órgão de Corti (estrutura equivalente à retina no olho e localizada na cóclea) são danificadas de forma permanente, e podem desencadear a perda das fibras nervosas a elas conectadas, impedindo a transdução de energia mecânica em impulsos elétricos e o processamento do som no sistema nervoso central. Perdas auditivas de condução são em geral reversíveis por intervenção clínica ou cirúrgica. Já as neurossensoriais não são passiveis de reversão porque as células receptoras não se regeneram. Ainda não se pode falar em cura de surdez, a despeito de importantes avanços em modelos experimentais de terapias genéticas para regeneração de células receptoras e restauração da audição. Assim sendo é importante conhecer as causas da perda auditiva, medidas de proteção da audição e estratégias para recuperação e manejo da perda auditiva.

 

Perdas auditivas têm causas diversas, algumas delas com ocorrência maior em distintos estágios de vida, outras a qualquer momento. Causas genéticas podem estar associadas a expressão de genes recessivos em filhos de uniões consanguíneas, ou a defeitos genéticos aleatórios. Causas congênitas podem estar associadas ao efeito de infecções que acometeram mães durante a gravidez, algumas das quais evitáveis com vacinação de mulheres e meninas. Crianças são suscetíveis a infecções preveníveis por vacinação na infância, e especialmente a infecções de ouvido médio, que se não tratadas a tempo podem evoluir para perda neurossensorial. Adolescentes são alvo de preocupação pelo tempo prolongado de exposição a sons de elevada intensidade, como no uso de dispositivos pessoais para ouvir música, ou de participação em eventos musicais ou esportivos. Adultos, em especial homens, têm sido objeto de exposição sistemática a fontes de ruído em atividades ocupacionais. Idosos são especialmente vulneráveis a perda auditiva neurossensorial pelo efeito cumulativo de variáveis biológicas, de estilo de vida e ambientais. Ao longo da vida as pessoas podem estar expostas a vários fatores que contribuem para perda auditiva, como: fumo; ruídos ambientais excessivos; traumas à cabeça; uso de medicamentos ototóxicos; deficiências nutricionais, exposição a produtos químicos; e infecções virais.

 

O risco de exposição a esses fatores pode ser objeto de medidas protetivas de automonitoramento; de monitoramento por profissionais de saúde; ou por regulamentos. São exemplos: o aconselhamento genético; a avaliação auditiva periódica, já a partir do nascimento e incluindo o início da escolarização; a redução de automedicação; a implementação de legislação limitando fatores de risco.

 

As consequências conhecidas da perda auditiva não tratada apontam para a importância de combatê-las. Crianças com perda neurossensorial não diagnosticada precocemente ou otite média não tratada podem ter comprometimento da linguagem, que tem um período sensível para desenvolvimento, prejuízo no desenvolvimento social e cognitivo, e na escolarização. Em adultos ocorrem prejuízos na vida social, no grau de escolaridade, na empregabilidade, ansiedade, depressão. Em idosos também preocupam o declínio cognitivo e a facilitação da instalação de demência, além da fatores sociais como estigma e ageísmo, que contribuem para a baixa adesão ao uso de aparelhos auditivos.

 

As perdas neurossensoriais, se profundas, podem requerer estratégias de substituição como linguagem de sinais e leitura labial, conversão em tempo real de voz para texto por recursos de software, sinalização tátil para alertas etc. A pouca disponibilidade de professores de Libras no país levou a UnB a criar um curso de graduação em Libras, para dar suporte à educação em vários níveis.

 

Quando a magnitude da perda pode ser minimizada, outros recursos podem ser usados. Alguns recursos são tecnologias instrumentadas, como aparelhos auditivos; ou implante coclear, que envia sinais elétricos diretamente para as fibras no nervo vestíbulo coclear. Outros recursos são tecnologias comportamentais, como as estratégias de comunicação que maximizam o uso da audição residual, orientando o interlocutor sobre maximizar atenção à iniciação do diálogo, clareza e direcionalidade da fala, controle sobre sons ambientais intrusivos, controle emocional, repertório gestual. Muitas dessas medidas requerem campanhas de conscientização.

 

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