OPINIÃO

Saulo Rodrigues Pereira Filho é professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador da Rede Clima/MCTI.

Saulo Rodrigues Filho

 

O resultado surpreendente, e histórico, da criação de um fundo de financiamento por Perdas e Danos (Loss and Damage, em inglês, L&D) foi o grande destaque da 27ª Conferência das Partes realizada em Sharm El Sheik, no Egito, após duas semanas de árduas negociações entre os 195 países presentes, dos 198 que compõem a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (UNFCCC). A antiga aspiração de países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, finalmente, depois de 30 anos de história da UNFCCC, logrou uma decisão de consenso que abre caminho para a promoção de Justiça Climática para os países que menos contribuíram para o incremento do efeito estufa na atmosfera terrestre desde a Revolução Industrial. Para fechar o ciclo de injustiça, estes mesmos países são reconhecidamente os mais vulneráveis aos impactos devastadores da mudança do clima, que ameaçam múltiplos aspectos relacionados à sobrevivência dessas populações.

 

Até a realização da COP 27, a agenda climática global trilhou um longo caminho pautado por duas linhas de ação, onde prevaleceram a busca por conter a elevação do efeito estufa na atmosfera (Mitigação) e a elaboração de estratégias voltadas ao enfrentamento dos impactos climáticos (Adaptação), sendo que a primeira sempre ocupou um lugar de destaque nas negociações multilaterais, por estar na origem da crise climática.

 

Entretanto, diante das grandes dificuldades encontradas pela agenda da mitigação em promover uma transição energética efetiva que reduza a intensidade de carbono das economias globais, a agenda da adaptação aos impactos climáticos vem ganhando tração, principalmente a partir da COP 16 em Cancun (2010), com a criação do Fundo Verde do Clima, um importante mecanismos de financiamento destinado aos países em desenvolvimento para o enfrentamento da crise climática, com a diretriz de distribuir de forma paritária o financiamento de projetos em mitigação e adaptação.

 

Entretanto, os movimentos sociais e a comunidade científica têm alertado para a insuficiência desse arranjo, uma vez que o agravamento da crise climática vem acompanhada de muitos impactos que já são inevitáveis, como o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, enquanto que em muitos casos as ações de adaptação são incapazes de evitar grandes perdas e danos às populações e às economias.

 

Com isso, a COP 27 inaugura uma terceira, e inédita, linha de ação voltada à reparação de Perdas e Danos (L&D), a qual deverá ser objeto de um difícil processo de negociação ao longo do ano de 2023, a cargo de um Comitê de Transição, que irá definir os critérios e estratégias para a mobilização de recursos que irão alimentar o Fundo L&D, assim como para a alocação de recursos para os países mais vulneráveis. O Comitê deverá ser formado por representantes de 23 países, sendo 10 de países desenvolvidos e 13 de países em desenvolvimento, e deverá entregar uma proposta a ser submetida aos negociadores presentes na COP 28, nos Emirados Árabes Unidos, em novembro de 2023.

 

Deve-se ressaltar, entretanto, que a COP 27 deixou muito a desejar quanto aos compromissos assumidos para busca de metas mais ambiciosas de redução de emissões, como a eliminação gradual do uso do carvão mineral da matriz energética, o combustível mais poluente, do qual muitos países ainda dependem, com destaque para China e India, que se opuseram a uma deliberação de compromisso com prazos e metas neste importante aspecto da agenda de mitigação. Apenas 20 países apresentaram metas mais ambiciosas de redução de emissões em Sharm El Sheik, o que levanta grande preocupação quanto à possibilidade, cada vez mais remota, de alcançarmos a meta de redução de 43% das emissões globais até 2030, em relação aos níveis de emissões de 2005, de modo a conter o aumento das temperaturas a até 1,5 grau Celsius, conforme definido pelo Acordo de Paris, nossa última fronteira de esperança para o enfrentamento da crise climática.

 

Um dos poucos países do mundo que dispõem dos meios para o alcance de tal meta, para isso basta reduzir significativamente as taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado, o Brasil trouxe uma grande novidade para a COP do Egito, o anúncio feito pelo presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, de que o país irá retomar a sua política ambiental e climática pautada pelo conhecimento científico. Como reflexo dessa guinada política histórica para a agenda socioambiental no Brasil, o presidente eleito anunciou o compromisso de busca de desmatamento zero na Amazônia até 2030, a criação da Autoridade Climática com status de ministério, e a criação do Ministério dos Povos Originários.

 

O retorno do Brasil como um dos protagonistas da agenda climática internacional certamente trouxe um ambiente mais otimista para as negociações travadas na COP 27, além de oferecer uma perspectiva real para retomada e reconstrução de políticas sociais, ambientais e climáticas no Brasil, após quatro anos de inúmeros retrocessos.

 

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