OPINIÃO

Simone Rodrigues Pinto é doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e professora associada da Universidade de Brasília (UnB).

Simone Rodrigues Pinto

 

Neste 74º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Paris em 1948, nada está mais em pauta do que a necessidade de defender a liberdade, a justiça e a paz no mundo, como preconiza seu preâmbulo. Ao reconhecer em seu artigo primeiro que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, a Declaração fundava uma nova esperança e uma nova luta, passada a turbulência da Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.

 

Mesmo não tendo força impositiva, a Declaração se tornou inspiração para normativas internacionais e nacionais no mundo todo. Entretanto, ainda há muito que se refletir e fazer a respeito da proteção dos direitos humanos. Novamente a Europa sofre as intempéries de uma guerra em seu território em pleno século XXI e, cabe lembrar, a guerra na Ucrânia não é a única em andamento nos dias de hoje. Em 2022, pelo menos 28 países apresentam conflitos ativos ou algum combate armado. No Iêmen, mais de 10 mil crianças perderam a vida como consequência direta dos combates. Em Mianmar, milhares de civis já morreram por causa da crescente tensão étnica. O triste recorde de estupros em massa como arma de guerra tem sido ultrapassado na Etiópia. Esses são alguns exemplos dos holocaustos mais recentes. Conflitos étnicos e raciais, violência sexual, desigualdade social, escravidão, tortura, fome, xenofobia, intolerância religiosa e muitas outras violações abjetas aos direitos humanos põem em xeque a afirmação que “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (Artigo 3).

 

A Declaração estabelece os parâmetros mais básicos e essenciais de proteção aos direitos humanos. Hoje já temos preocupações ainda mais complexas como os direitos coletivos de povos indígenas e tradicionais, direito ao patrimônio genético, à biodiversidade, à proteção contra biopirataria e outros anteparos diante do avanço tecnológico vertiginoso. O paulatino processo de incorporação dos direitos humanos como princípios e valores defendidos em todas as sociedades sofre avanços e retrocessos. O mal-estar causado pela escolha do Catar como sede da Copa do Mundo de Futebol deste ano é digno de nota. O país é conhecido por seguir a norma de tutela das mulheres, que estão subordinadas ao pai, marido ou irmão, dependendo da decisão de seus tutores para casar-se, estudar, trabalhar ou mesmo fazer exames ginecológicos. A homossexualidade é ilegal no país, gerando penas de até sete anos de prisão. As violações respaldadas pelo emirado absolutista incluem ainda a escravização de trabalhadores e outras formas de discriminação contra pessoas estrangeiras. A Copa nos lembra que nosso sistema é ainda guiado por uma racionalidade capitalista neoliberal, em que o capital fala mais alto do que a rejeição a normas discriminatórias, xenófobas e sexistas.

 

É preciso saudar os setenta e quatro anos da Declaração com entusiasmo cauteloso. Os muitos exemplos das dinâmicas nefastas do necropoder nos fazem perceber as tecnologias de gestão da morte e da vida que hierarquizam as pessoas que têm ou não têm valor e, diante dessa classificação social, devem ou não ser protegidas. E isso independe do regime político ou grupo de poder. De Guantánamo a execuções realizadas pelo Estado Islâmico, de movimentos neonazistas na Europa a mercado de escravos na Líbia, a luta pelos direitos humanos tem que permanecer ardendo nos corações de cada ser humano.

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, traduzida em mais de 500 idiomas, deve reverberar mais fortemente nas normativas internas de cada Estado e continuar como bandeira de reivindicações de uma sociedade civil consciente de que ainda há muito o que se fazer. No Palácio de Chaillot em Paris, naquele histórico inverno de 1948, surge um documento que deve reverberar a imensidão geográfica, cultural, social, política e étnica do mundo todo. A Declaração Universal é o que temos de mais precioso a ser defendido nos dias atuais.

 

 

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