OPINIÃO

Eneá de Stutz e Almeida é professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Coordena o grupo de pesquisa Justiça de Transição no Brasil. Preside a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

Eneá de Stutz e Almeida

 

A Comissão de Anistia é uma comissão de Estado, devendo cumprir a missão constitucional de realizar o programa de reparações, de memória e de verdade. A Comissão de Anistia é, portanto, uma Comissão fundamental para a democracia brasileira.


A Universidade de Brasília, por meio do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) e seus grupos de pesquisa, tem produzido conhecimento relevante sobre Justiça de Transição no Brasil há mais de uma década. A participação de docentes da UnB na Comissão representa, simultaneamente, o reconhecimento dos esforços de pesquisa que vimos realizando sobre o tema e uma oportunidade para contribuirmos com a história do país.


Teremos um grande desafio inicial para enfrentar os retrocessos que sofremos nos últimos anos. Para tanto, precisaremos atuar em dois movimentos simultâneos: 1) fazer um levantamento de todos os pedidos julgados e verificar quais foram ilegalmente julgados. Ou seja, quais foram julgados descumprindo os requisitos legais, e quais foram julgados cumprindo os mesmos requisitos. Aqueles que tiverem sido ilegais serão revistos; 2) julgar todos os pedidos que ainda não foram julgados. Tudo com muito respeito, diálogo, maturidade, transparência e democracia.


A sociedade brasileira deve acompanhar as atividades da Comissão de Anistia, porque esse trabalho, embora dirigido às pessoas que sofreram perseguição política numa época sombria da história brasileira, tem impacto direto sobre todos nós, brasileiros e brasileiras. Foi justamente porque não acertamos as contas com o nosso passado autoritário, porque fugimos do enfrentamento das atrocidades cometidas, e nos últimos anos permitimos que essa crueldade fosse negada, que experimentamos o que é chamado de “esquecimento-recalque”. Todo recalque volta com violência. Temos visto a violência explodir no Brasil, e foi isso que aconteceu no 8 de janeiro de 2023, em Brasília.


A reconciliação nacional e a pacificação é o que queremos, mas essa reconciliação só é possível se a Comissão de Anistia e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos cumprirem a Constituição, realizando o seu trabalho, e se as recomendações da Comissão Nacional da Verdade forem atendidas. Essas três Comissões de Estado foram criadas a partir da Constituição de 1988 para garantir Memória, Verdade, Justiça e Reparação. Essa é a base da democracia, e a democracia (ou a falta dela) atinge toda a comunidade brasileira. Então, a Universidade tem um papel relevante nessa construção, inclusive para que possamos ampliar esse debate e trazer cada vez mais pessoas para a luta por um Brasil mais igualitário, justo, democrático e solidário.

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