OPINIÃO

 

Rose May Carneiro é professora do curso de Audiovisual, Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB).

 

Marcela de Oliveira Ribeiro é jornalista e pesquisadora independente.

Rose May Carneiro e Marcela Ribeiro

 

Sábado foi o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A efeméride foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015. É preciso dar mais destaque às mulheres e meninas nas ciências. Não precisamos de lupas ou microscópios para perceber que a pandemia de covid-19 teve um impacto desproporcional sobre nós, as mulheres das Américas.

Mulheres tiveram que se contentar com jornadas triplas. Mulheres escreveram menos artigos. Mulheres sofreram violência doméstica. Mulheres foram alvo da misoginia de um ex-presidente grosseiro e tacanho que culminou no aumento exponencial do feminicídio. Se estivéssemos na casa digital do pássaro azul, eu diria, siga o fio.

Em 2022, uma extensa pesquisa foi consolidada por meio do relatório Análise de Gênero e Saúde: Covid-19 nas Américas e, por meio dele, foi feita uma análise aprofundada de áreas como saúde, emprego e bem-estar social.

À época, o evento contou com a participação de Karen Sass, diretora da área de Incapacidade da Secretaria Nacional de Cuidados do Ministério do Desenvolvimento Social do Uruguai, e Hugh Adsett, embaixador e representante permanente do Canadá junto à Organização dos Estados Americanos (OEA). O resumo do relatório foi enfatizado pela diretora da OPAS, Carissa F. Etienne; "a desigualdade de gênero é uma crise social, econômica, política e de saúde em curso, que foi exacerbada pela pandemia. Mas também destaca onde precisamos trabalhar mais para criar um futuro mais justo, resiliente e sustentável", enfatizou.

Esta é a segunda etapa de uma pesquisa (imersiva, fenomenológica — qualitativa) do meu pós-doutorado (UnB/Udelar — Uruguai), orientada pelo professor doutor Pedro Russi, que também será um filme: um road movie (filme de estrada) protagonizado por mulheres, um documentário ensaístico-poético, um filme-ensaio que poderia, quem sabe, se desdobrar em série. O objetivo desse projeto é viajarmos nesse Cinema Itinerante (Cine Pipoca no Rolê) e, por meio dele, vivenciarmos uma série de acontecimentos pelas estradas, em uma kombihome. É, também, explorar paisagens e questões sociais que podem estar conectadas à poesia cotidiana, um fazer cinema. Iremos em direção ao Uruguai e às paisagens interiores e exteriores que se descortinarão aos nossos olhos.

Sairemos, de Brasília, em 8 de março próximo, pois também é uma outra data emblemática: o Dia Internacional da Mulher. Faremos como o escritor Júlio Cortázar, sua companheira Carol Dunlop, seu cachorro e a inseparável kombi vermelha. Eles, neste caso, deixaram Paris e foram para Marselha. Quanto a nós, viajaremos para o Uruguai com nossas hipóteses de pesquisa e todas as nossas percepções. É possível vivenciar o tempo em sua plenitude? Quais seriam as semelhanças e diferenças entre "uma mulher aventureira" e "um homem aventureiro"? Como o cinema, a comunicação e os direitos humanos aparecem "em estado de viagem"? Fazer um road movie (filme de estrada) seria, também, fazer uma espécie de documentário poético? Um metacinema? Quem olha o visor da câmera pode, ao mesmo tempo, ser olhado por ela? E, afinal, quem cuida de quem cuida?

Perguntas não faltarão. Na tentativa de vivenciá-las e, ao mesmo tempo, respondê-las, irei, com a jornalista, pesquisadora e minha companheira — Marcela Ribeiro — e as nossas cinco cachorras, em busca dessa jornada. Aproveito para apresentá-las para vocês: Julie, Zoe, Isabela, Luna, e Duda são os cinco cachorros da família Ribeiro. Julie é uma salsicha de 12 anos com diabetes e paralisia nas patas traseiras. Zoe tem 11 anos, shihtzu, observadora zen budista. A Duda foi adotada na porta da nossa casa, para que, em minutos, essa vira se tornasse a dona de tudo.

A partir do momento que colocamos o pé, o corpo e a alma viajante, na estrada, sabemos que o tempo passa a ser nossa maestrina. Devagar. Vá. Olhe. Sinta. O vagar. Olhar as paisagens como se fosse pela primeira vez. A vez ontológica das viajantes. O novo deflagra o fugidio. A expectativa Delleuziana de um porvir. Assim, feito o cinema. O cinema que é cachoeira, como dizia Humberto Mauro. Cinema também é estrada, poeira, asfalto, árvores, infinito, céu, areia, um mar de gente. Godard também disse que o cinema é a realidade em 24 quadros por segundo.

Ir, na maioria das vezes, significa deixar para trás. Entre planos e ângulos, as imagens projetadas dançam em nossas retinas. Os irmãos Lumière fizeram isso ao filmar um trem em movimento chegando à estação. Foi também assim que o cineasta alemão Wim Wenders consagrou os road movies, a partir da década de 1970, com sua trilogia iniciática.

Viajar é consciência. É fazer ciência. Experiência. Isso acontece a partir do olhar, de nossos corpos itinerantes, dos deslocamentos, das errâncias, dos novos encontros e desencontros possíveis. É, ao mesmo tempo, quebrar barreiras, resgatar identidades, (re)descobrir culturas.

 

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Publicado no Correio Braziliense em 13/02/23.

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