OPINIÃO

Paulo Eduardo Aguiar Saraiva Camara é professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília e coordena o projeto de pesquisa Evolução e dispersão de espécies antárticas bipolares de briófitas e liquens no âmbito do Programa Antártico Brasileiro (ProAntar). É doutor em Botânica pela Universidade do Missouri-Saint Louis e Missouri Botanical Garden.

Paulo E.A.S. Câmara

 

A questão ártica vem ganhando cada vez mais atenção no mundo, em especial em decorrência das mudanças ambientais observadas ali, no Brasil o tema ainda é muito incipiente. Entretanto, a importância do Ártico em escala planetária é inquestionável, pois o que acontece na região afeta o planeta inteiro, o derretimento do gelo Ártico constitui um dano irreversível e irreparável nas diferentes escalas de espaço e tempo, afetando não apenas as comunidades ali residentes como também as plantas e os animais, geralmente representados nas mídias pelo caso de ameaça gravíssima à sobrevivência dos ursos polares. É fundamental ressaltar que não há tecnologia científica confiável para “recongelar” o Ártico, ou pelo menos de como limitar de forma efetiva os danos já previstos para este século, e os eventos climáticos extremos e danos significativos à fauna e flora inevitavelmente associados. Além disso, estima-se que o aumento da temperatura no ártico possa causar a emissão de Gases de Efeito Estufa equivalentes à atual emissão dos Estados Unidos, o segundo maior emissor mundial, atrás da China.


Deve-se ainda notar que tais mudanças afetam também a geopolítica global, fruto do derretimento do gelo, novas rotas comerciais marítimas têm sido exploradas, diminuído o custo dos fretes ao mesmo tempo em que reduz a importância histórica dos canais de Gibraltar e Suez, outra consequência é que o derretimento do gelo facilita a exploração de recursos naturais na área tais como petróleo e gás natural, contribuindo assim para o maior acirramento das atuais tensões entre as potências polares.

 

O caso do Ártico demonstra como as mudanças climáticas transformaram a geopolítica e os interesses na região, a ciência como ferramenta da geopolítica não é novidade, os grandes navegadores utilizaram a ciência disponível há mais de 500 anos para “conquistar” novas terras e assegurar a projeção de poder de seus monarcas. O Brasil, com mais de 40 anos de presença respeitada na Antártica, se consolidou como um país polar por opção. Nosso Programa Antártico (ProAntar) é um indiscutível caso de colaboração de sucesso entre entes do Estado tais como as Forças Armadas e a Academia com participação importante também do Itamaraty, MMA e MCTI e nos qualifica para contribuir com estudos científicos também no Ártico. Será a ciência nossa ferramenta de chegada na região. Temas como acidificação do oceano, as mudanças das correntes glaciais, eventos extremos, organismos invasores, migração da fauna, liberação de GEE, bactérias metanogênicas, são apenas alguns exemplos da pesquisa brasileira de interesse Ártico.


Como podemos ver o que ocorre no Ártico afeta o clima e a geopolítica global, o que inclui o Brasil (que possui parte de seu território no hemisfério norte) e não podemos, portanto, nos abster de ter voz nas instâncias que lidam com esse delicado assunto.


Sendo um país relevante no Sistema Internacional, dos pontos de vista político, econômico e científico, com forte componente marítima, o Brasil é único país entre as 12 maiores economias do mundo a não ter nenhuma participação no Conselho do Ártico, e com uma experiência consolidada na Antártica, faz-se necessário a inclusão do Ártico para participarmos na governança de um dos espaços mais relevantes do planeta, e reforçarmos nossa parcela de protagonismo no tocante à segurança ambiental global, no qual o Ártico tem papel essencial.


Atento a isso, O Brasil deverá, em breve, aderir ao Tratado de Svalbard, a UnB (em conjunto com sua coirmã a UFMG) estará participando de uma expedição ao Ártico para coletas de dados científicos em Svalbard e mostrar ao mundo seu interesse na região, daos coletados ali serão algumas das primeiras contribuições científicas que a UnB e o Brasil poderão dar a este importante tema.

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