OPINIÃO

 

Renísia Cristina Garcia Filice é professora da Faculdade de Educação. Coordenadora da Questão Negra da Secretaria de Direitos Humanos da UnB (Coquen/SDH). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e de Gênero (Geppherg/FE).

 

 

Everaudo Lacerda Lopes Filho é graduado em história pela UnB. Colabora com a Coordenação da Questão Negra da Secretaria de Direitos Humanos da UnB (Coquen/SDH). É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e de Gênero (Geppherg/FE).

Renísia Cristina Garcia Filice e Everaudo Lacerda Lopes Filho

 

A suposta frase atribuída à princesa Isabel , 'Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para libertar os escravos', maquiou a história brasileira sobre o fim da escravidão, e a tornou, diríamos, uma história embranquecida. Esse espectro na assinatura da Lei Áurea nubla o processo conflituoso que levou ao “fim” da escravidão, e  como consequência, estende-se ao dias atuais romantizando a “liberdade conquistada”, protagonizada por pessoas brancas, sem referência à existência de estruturas de subalternização que permaneceram ressignificadas no nosso cotidiano, e que, à época já estavam presentes.  


A narrativa criada em torno do dia 13 de Maio de 1888 fortalece no imaginário social a sensação de que, a partir desta data, houve equidade de tratamento entre negros/as/es e brancos/as/es no Brasil. Entretanto, não foi bem assim. Para as pessoas que foram escravizadas e seus descendentes, pífios foram os motivos para comemoração. Largados à própria sorte, sem amparo do governo ou indenização pelos anos de maus tratos, nunca lhes faltou (aos/as negros/as/es) esta consciência. Seguiu-se ao 13 de maio, séculos de resistência e denúncia, contra as mazelas da escravidão e do racismo sistêmico, infiltrados no presente.  


É preciso que se repita: o 13 de Maio não representa a liberdade para os/as escravizados/as/es. Hoje, entende-se que o fim da escravidão foi na verdade (está sendo), um processo longo e complexo, com a participação de múltiplos sujeitos, negros/as e pessoas envolvidas na luta antirracista. A assinatura da Lei Áurea não trouxe a condição de igualdade entre libertos e pessoas brancas.  


Nesses termos, a data de hoje  deve ser observada pela ótica da resistência, numa perspectiva de longa duração. Foram cerca de 400 anos de escravidão, efetiva, mas também foram anos de sabotagem das plantações, fugas, organização de quilombos, clubes abolicionistas, seguidos, no pós-abolição, pela criação de clubes, grêmios e instituições de educação para negros/as, como a Frente Negra Brasileira (década de 1930), o Teatro do Negro Experimental (década de 1940) e a organização do Movimento Negro Unificado, nos idos de 1978. Manifestações como a Marcha Zumbi dos Palmares foi fundamental para deflagrar o início mais efetivo da institucionalização da pauta negra no país, junto ao Estado.  


Pode-se afirmar que não é, para este movimento negro, múltiplo, diverso, a protagonista de sua história, a Princesa Isabel. Há Zumbi dos Palmares, Dandara, Luiz Gama, e outros/as, e no presente, militantes, intelectuais, que se aproximam do nosso universo acadêmico: Abdias Nascimento, Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Marielle Franco, e inúmeros/as outros/as.  


Há de se dizer que tensionar a data do 13 de maio é assumir uma postura questionadora, e recuperar a importância de abordagens antirracistas interseccionaidas com antissexismo, o anticapitalismo, a antilgbtfobia, de forma transversal, interseccional, por isto, intencional. A centralidade do antirracismo como um traço da permanência em meio às rupturas em curso. Assim como no século XIX, a resistência continua sendo o mote.  


Neste 13 de Maio lembramos que em junho de 2023, as Cotas na UnB farão 20 anos, desde a sua proposição. Como Coordenação da Questão Negra (SDH/Coquen) já dividimos um sonho: que cabem todas as pessoas negras, brancas, indígenas, pessoas com deficiência, da UnB e fora dela, que se juntem a nós, e que junho se transforme – nos 4 (quatro) campi – um mês de celebração.  


Que a Universidade de Brasília se torne um espaço de lindos saraus com literatura de autores/as negros/as, músicas, apresentações artísticas, capoeira, mostra de disciplinas de colegas professores/as comprometidos/as com o aprofundamento da temática racial, com a história africana. Que, a gestão proponha mesas para mostrar suas medidas de ações afirmativas, fortalecedoras do programa de permanência para alunos/as negros/as.  


Pensem sobre isto: todos/as/es na luta antirracista, pela UnB afora. Ressignificar o 13 de Maio é um dos caminhos.

 

 

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