OPINIÃO

 

Aline Oliveira Silveira é professora do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. É doutora em enfermagem pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora líder do Grupo de Estudos em Saúde da Criança, Adolescente e Família (Gescaf/UnB).

 

 

 

 

Monika Wernet é professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). É doutora em enfermagem pela Universidade de São Paulo. Mantém parcerias em atividades com as Universidades de Brasília, do Triângulo Mineiro e Católica Portuguesa.

 

 

Aline Oliveira Silveira e Monika Wernet


Iniciamos convidando à reflexão sobre o que a interação com a palavra ‘mãe’ nos provoca?  

A interação com a palavra ‘mãe’ evoca idealizações vinculadas a projeções positivas, virtuosas, bondosas, permeadas pela naturalização de que as mulheres incorporam este papel de modo tranquilo, pleno e imersas em boas emoções. 
 

As construções sociais colocam à mulher ‘idealizações de maternidade’ que ao serem incorporadas podem ser vividas de formas contraditórias e conflituosas frente às suas singularidades, historicidades e subjetividades.
 
Trata-se de projeções desdobradas de pressões sociopolíticas e capitalistas que intencionam um certo lugar às mulheres que estão a vivenciar a maternidade.  Quase que as convidam a suspenderem todos os seus demais papéis, o restante da vida, para ficarem absorvidas com e no papel de mãe. Esta alocação social conduz muitas mulheres a vivenciarem emoções, sentimentos e pensamentos antagônicos em meio a incertezas e inseguranças quanto ao bom, adequado e satisfatório desempenho da maternidade. A reprodução de visões estereotipadas, preconceituosas e idealizadas sobre o que é ou o que deve ser a maternidade tem efeitos desumanos sobre as mulheres.    

As ideologias hegemônicas incidem na política pública, no campo jurídico, da educação, da saúde e tantos outros que contornam o lugar da mulher/mãe em nossa sociedade. Percebe-se a permanência do significado de ser dever da mulher cuidar, de estarem incumbidas a ela, em maior instância, as responsabilidades relativas ao cuidado da prole. Visões e práticas sociais que sobrecarregam as mulheres numa função que elas não devem e nem conseguem assumir integralmente sozinhas. O cuidado de uma criança é dever de todos, mãe, pai, família, comunidade ampliada!
 
Na intersecção das circunstâncias de vida, ideais de maternidade e simbolismos; alto nível de demandas de cuidados múltiplos, complexos e contínuos versus a escassez de recursos e suporte, surgem os estressores, as crises, os sofrimentos  e os adoecimentos das mães, das crianças, das famílias. A permanência da influência do patriarcalismo na sociedade, nas interações familiares e sociais ampliadas, tem comprometido as funções de cuidado e de socialização de crianças e de adolescentes.
 
É premente discutirmos o lugar simbólico e prático da mulher e da maternidade em nossa sociedade; e provocarmos transformações da reverberação do patriarcalismo e caminhar na direção da coparentalidade e corresponsabilização no cuidado de crianças e adolescentes. A organização familiar para o cuidado dos filhos precisa tornar-se um processo compartilhado, estabelecido mutuamente e, não imposto “silenciosamente” por valores culturais sexistas e por uma ideologia hegemônica calcada em ideias machistas que excluem, sobrecarregam e geram sofrimentos físicos, psíquicos e sociais nas mulheres/mães. As interações em família podem conduzir crianças a não manterem o ciclo que vulnerabiliza mulheres em função das concepções de mãe disseminadas.

A escuta das vozes das mulheres/mães nos diferentes contextos de exercício da maternidade revela assimetrias: nas escolas, nas universidades, nos locais de trabalho, nos espaços públicos e nos domésticos, e, em especial, nos cenários de cuidado de saúde, que naturalizam e reproduzem a normatização da mãe como a cuidadora e a responsável pelos filhos, fragilizando-as nas demais dimensões da vida social e afetiva.  
 
A valorização da maternidade nas esferas da vida e dos direitos da mulher, a desconstrução de concepções estereotipadas e o deslocamento para perspectivas cada vez mais inclusivas, respeitosas e equitativas do ser mulher/mãe nos diferentes contextos, são pautas que precisam de constante discussão, particularmente em locais estratégicos como escolas e instituições formadoras de profissionais da educação e da saúde. 
 
No caminhar da maternidade e da vida, é preciso questionar as diferentes formas-contornos, os sentidos, as possibilidades do ser mulher/mãe: O que significa ser mulher/mãe na nossa sociedade atual? O que significa ser mulher/mãe na pobreza? O que significa ser mulher/mãe negra? Indígena? O que significa ser mulher/mãe universitária? O que significa ser mulher/mãe profissional de saúde? O que significa ser mulher/mãe professora, pesquisadora, cientista? O que significa ser mulher/mãe na adversidade, do cuidar de crianças e adolescentes com condições crônicas complexas, dependentes de tecnologias ou mediante diagnósticos de condições ameaçadoras à vida? Assim como, não podemos deixar de nos questionar sobre quais obstáculos, mazelas e adoecimentos nós reproduzimos nestas diferentes situações, circunstâncias e contextos de exercício da maternidade.
 
A abertura de espaços de acolhimento, de potencialização e de reconhecimento das múltiplas narrativas das mulheres/mães nos diferentes espaços sociais que se inserem (ou não) é um caminho fundamental para o encontro de necessidades, de desejos e de possibilidades de suporte ao esperançar que as movimenta nos esforços cotidianos para o exercício dos seus múltiplos papéis, que confluem em projetos de vida e de maternidade.
 
Por uma maternidade símbolo de humanidade, de resistência e com mais esperança e bem-estar às mulheres/mães!

 

 

 

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.