OPINIÃO

Benedito Cerezzo Pereira Filho é professor da Faculdade de Direito da UnB. Doutor em Direito pela UFPR. Compôs a comissão de juristas responsável pela elaboração e acompanhamento do anteprojeto do novo Código de Processo Civil (CPC) no Senado.

Benedito Cerezzo Pereira Filho

 

No domingo, 21 de maio de 2023, o mundo inteiro assistiu ao jogador de futebol do Real Madrid, desesperado, clamando por ajuda, para que fizessem cessar os insultos racistas que todo o estádio estava propagando em relação a ele. Como resposta, ganhou uma expulsão do jogo. No seu Twitter (Vini Jr. (@Vinijr), ele desabafou:



Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui", escreveu o atacante brasileiro.…Twitter · há 21 horas


 

Como você prometeu, Vinicius Junior, vá em frente, vá “até o fim contra os racistas”, defenda-nos, ajude-nos, mas saiba, você está sozinho! Você está só por duas razões determinantes: primeiro porque essas pessoas desconhecem que o “O animal e a natureza são um só. O homem e a natureza são dois”[1]. Ou seja, o homem não está condicionado à natureza, enquanto o animal está submetido a ela.


Ambos praticam o mal. Contudo, há uma diferença enorme, enquanto os animais estão inseridos na natureza, como um código dela, pertencente a ela, agem, portanto, sem saber por que agem, por instintos, são um só. Nós, humanos, porque somos dois, podemos escolher, temos liberdade para isso. Sobre a prática desse mal, como bem esclarece Luc Ferry, é “que os animais desconhecem e que é um feito apenas dos humanos, está em outra coisa: ele reside no fato não mais simplesmente de “fazer maldade”, mas de fazer uso do mal como projeto...”[2]


Neste triste episódio, ficou evidente o projeto de maldade contra você. E você está só porque somente nós negros e negras, e assim mesmo, nem todos e todas, conseguimos sentir, no âmago da nossa existência a dor do racismo. Ninguém mais, por mais altruísta que seja.


O racismo funda-se em algo destruidor, ele torna o que existe, inexistente. Como afirma Grada Kilomba, “Este princípio da ausência, no qual algo que existe é tornado ausente, é uma das bases fundamentais do racismo”. [3] Segundo Frantz Fanon “Por mais penosa que possa nos parecer esta constatação, somos obrigados a fazê-la: para o negro, existe apenas um destino. E ele é branco.”[4]


Então você está só! E vimos isso nas imagens da televisão. As pessoas tentando acalmá-lo, silenciá-lo, sendo que tal atitude deveria sim, ser contra os racistas. Calaram você naquele instante, ao não ouvirem o seu clamor e ao expulsarem você do jogo.


A segunda razão que o deixa só reside no fato, aliás, percebido por você ao colocar no seu post que “A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam”, de que muitos ao afirmarem estar a seu lado, são incentivadores da prática racista ao fazerem suas escolhas. Muitos postaram: “Estou contigo”; “você não está sozinho” etc, mas apoiaram “plano de governo” que, justamente, incentivava a prática do racismo, notadamente aqui no Brasil. A esse respeito, se me permite, volto a Luc Ferry: “Dou-lhe novamente este conselho: não ouça tudo o que lhe dizem, e julgue antes por si mesmo”.[5]


Vimos, também, aqui no Brasil, programa de esportes expor ex-atletas negros a contar passagens hilárias sobre suas vidas futebolísticas para, em geral, um grupo de jornalistas e ex-jogadores brancos se divertirem.


Num desses deploráveis episódios, um jogador negro, aposentado e, infelizmente, já falecido, morreu muito novo, contou que, quando era criança, sua mãe pediu para que seu pai o levasse ao zoológico e teria o pai respondido: eu não, se quiserem vê-lo, que venham aqui em casa. Todos riram muito.


Há um certo consenso de que se trata apenas de humor e que a vida está chata com o tal politicamente correto. Contudo, esse comportamento contribui para manter toda essa situação que estamos acostumados a vivenciar, deixando tudo sem sentido, como bem afirmou Osvaldo Giacoia Junior: “O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda, a dor da falta de sentido”.


A melhor forma de combater o racismo é a compreensão pelo humano o que sua essência deva ser, sempre lutando pelo futuro, pelo porvir, para que possamos conviver como irmãos, seres da mesma espécie. Mais uma vez com Fanon: “Desejo sinceramente levar meu irmão, seja negro, seja branco, a sacudir da maneira mais vigorosa possível a deplorável libré urdida por séculos de incompreensão”. [6]


Entretanto, neste momento, insisto, Vinicius, você está só. Ouvi dizer que ontem, 22.05.23, foi o dia do abraço. Deixo o meu afetuoso.

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[1] FERRY, Luc. Aprender a viver: filosofia para os novos tempos. Trad. Vera Lucia dos Reis, Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 144.

[2] Ob. Cit. p. 134.

[3] FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Título original: Peau noire, masques blancs; trad. Sebastião Nascimento; prefácio Grada Kilomba. São Paulo: Ubu Editora, p.12.

[4] FANON, Frantz. Ob. Cit. p. 24.

[5] FERRY, Luc. Ob. Cit. p. 182.

[6] FANON, Frantz. Ob. Cit. p. 26.

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