OPINIÃO

Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.

Isaac Roitman

 

Todas as vezes que estamos em sofrimento ou diante de grandes desafios, buscamos algo ou alguém fora para nos ajudar. Aqueles que são religiosos apelam para santos ou para Deus. Para outros, a busca é para um salvador, um herói, que resolverá os problemas. Freud, Kafka e Lacan alertam que a necessidade de heróis passa pela figura do pai.

 

Segundo Paulo Incott, “uma sociedade que precisa de heróis para resolver os seus problemas estruturais é uma sociedade imatura. Uma democracia que precisa de heróis é uma democracia imatura. Uma sociedade que acredita e confia em heróis pode acabar se vendo rapidamente dominada por estes. A história está repleta de ‘pais terríveis’, na plena acepção da expressão”.

 

É preciso um estudo profundo para a distinção entre heróis e vilões. Um bom exemplo ligado à nossa história é a narrativa sobre os bandeirantes. Durante muito tempo, os bandeirantes foram encarados como “heróis”. Eles teriam sido os desbravadores que contribuíram para a construção de nosso país, expandindo nossas fronteiras. Essa imagem acabou sendo substituída por outra oposta: os bandeirantes teriam sido bandidos cruéis e sanguinários, que saqueavam aldeias indígenas, matavam crianças, violentavam mulheres e escravizaram os índios. Em nossos livros didáticos, o bandeirante foi retratado dessas duas formas: ora herói, ora vilão.

 

Como lembra José Murilo de Carvalho, esquecer e reescrever a história geralmente envolve a criação de memórias e heróis nacionais, símbolos, alegorias, mitos e rituais. Fatos e personagens históricos são reinterpretados, frequentemente pelos próprios historiadores, para tornar possível a coexistência de contrários e a junção de elementos díspares.

 

Os mitos nacionais, especialmente os mitos de origem, e os heróis nacionais são alguns dos instrumentos mais poderosos para a construção das identidades nacionais. A natureza polissêmica dos mitos faz com que estes sejam capazes de expressar, de uma maneira mais eficaz do que as elaboradas ideologias, os interesses, aspirações e medos nacionais. Assim como no relato dos bandeirantes, é necessário muito cuidado e um agudo senso crítico para acreditar em um mito.

 

Os heróis nacionais fazem parte do panteão cívico de todas as nações. Eles servem como imagem e de modelo para a nação. No processo de construção de um herói, é possível detectar qual o tipo de personalidade e quais os valores mais altamente considerados pelo povo, tal como um espelho ou como uma aspiração. A criação de uma memória nacional, de mitos e de heróis, ajuda as nações a desenvolver uma unidade de sentimentos e propósito, a organizar o passado, a tornar o presente inteligível e a encarar o futuro.

 

É importante também mencionar os heróis fabricados e sua influência no imaginário popular. Esses heróis criados são amplamente divulgados em revistas em quadrinhos, livros e filmes. Os super-heróis (Super-Homem, Homem-Aranha, Batman, James Bond, etc.) e heroínas (Mulher-Maravilha, Cinderela, Branca de Neve, etc.) estão muito presentes na vida das crianças e desempenham um papel importante na formação de suas personalidades.

 

No Brasil, para resolvermos os graves problemas sociais, não precisamos de heróis ou mitos. Precisamos, sim, através de uma educação libertadora e inclusiva, formar lideranças em todas as áreas de conhecimento, com responsabilidade social e equipados para semear virtudes. Nesse cenário poderemos transformar esse belo país em um exemplo para a humanidade.

 

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Publicado originalmente no Monitor Mercantil em 17/05/23.

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