OPINIÃO

 

 

Otávio Nóbrega é professor da Universidade de Brasília. Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG-DF.

 

 

 

Cláudio Córdova é pesquisador colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da UnB. Pesquisador independente com experiência em métodos estatísticos e analíticos.

Cláudio Córdova e Otávio Nóbrega


Dois artigos publicados na década de 90, um da autoria de Cohen (1994)1, com o título “The earth is round (p<.05)”, e o outro de Johnson (1999)2 sob o título “The insignificance of statistical significance testing” forneceram importantes críticas sobre as interpretações abusivas e conclusões deturpadas para resultados de testes de significância estatística, assim como, para a subserviência desmedida das ciências médicas aos P-valores, tomados como garantia do valor científico dos resultados. Vários anos se passaram e as práticas científicas e em saúde permanecem fortemente atreladas aos mesmos vieses centrados em simplesmente "aceitar” ou "rejeitar” a hipótese nula. Sobre isso, a Suprema Corte dos Estados Unidos deliberou em 2011 sobre a utilização de testes de significância estatística. Tratava-se da polêmica que envolveu a Matrixx Initiatives Inc, fabricante do medicamento para gripe Zicam, acusada de ter omitido informações sobre os riscos de anosmia (perda olfativa). À época, a empresa alegou que o número de casos com esse efeito adverso foi estatisticamente insignificante. O caso foi parar nos tribunais e a Corte, com apoio de consultorias ad hoc, definiu que assumir falta de significância estatística (por não rejeição da hipótese nula) não significa ausência de efeitos ou de significância clínica. Cientes do risco de anosmia, os consumidores e profissionais teriam a liberdade de avaliar reais benefícios de se usar este medicamento para atenuar os sintomas da gripe, especialmente quando existem outras opções de medicamentos.

Toda essa discussão tem relevância para a demência de Alzheimer. Em 2021, a Food and Drug Administration concedeu aprovação acelerada ao Aduhelm™  intravenoso (aducanumab 100 mg/mL) para o tratamento da Doença de Alzheimer em estágios iniciais em uma decisão polêmica que dividiu as associações e provocou investigações tanto na Câmara dos EUA quanto no Departamento de Saúde e Serviços Humanos. O debate centrava-se no fato de que as estatísticas dos ensaios clínicos randomizados revelaram diversas fragilidades e vieses na interpretação dos dados, a exemplo de: 1. Análises pos hoc sem prévia especificação no planejamento analítico para o estudo; 2. Inclusão adicional de pacientes além do que previa o dimensionamento amostral; 3. Não consideraram a magnitude do efeito produzido pelo fármaco para definir a importância clínica para o paciente, baseando-se tão somente nos P-valores para tomada de conclusão; entre outras falhas. No Brasil, cautelosa decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 2022 resultou em negativa de registro do medicamento para ingresso no

mercado brasileiro. Este e outros exemplos deixam em evidência como pesquisas carentes de sólidos fundamentos científicos/estatísticos aliadas a um apelo vindo do mercado da saúde podem tornar difíceis as discussões entre clínicos e seus pacientes/familiares (que naturalmente anseiam por novidades na área) sobre a eficácia de determinado medicamento. E a celeuma decorre da confusão entre a significância estatística versus importância clínica dos resultados, em muito produzida pela banalização do uso dos testes de hipóteses nulas com a finalidade de permitir tomadas de decisão quando a boa literatura é unânime em atestar que estes testes não foram desenvolvidos para esta finalidade. Muito provavelmente, Sir Ronald Fisher (1890-1962), notório biólogo britânico que fundou e fundamentou a área da bioestatística, rejeitaria as interpretações míopes que são dadas na atualidade aos resultados dos testes de significância estatística.

1. COHEN, J. (1994) - The earth is round (p < .05). American Psychologist. Vol. 49, nº 12, p. 997-1003.
2. JOHNSON, D. (1999) - The insignificance of statistical significance testing. Journal of Wildlife Management. Vol. 63, nº 3, p. 763-772.

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