OPINIÃO

Robson Vasconcelos Carvalho é doutorando em Ciência Política na UnB e membro do grupo de pesquisa Democracia e Desigualdades.

Robson Carvalho

 

A nossa reflexão parte do tema “Debate sobre Desigualdade”, livro de James K. Galbraith, Inequality: What Everyone Needs to Know; Oxford University Press, 2016. Faremos um breve resumo e, em seguida, direcionaremos a reflexão sobre uma questão específica, com o olhar voltado para o Brasil.

O autor, Galbraith, detalhou diferentes pensamentos de diversos pensadores, filósofos e economistas quanto ao que originaria a desigualdade, ao longo da história. Compartilharemos alguns deles com vocês:

No século 18, segundo Jean J. Rousseau, em “Discurso sobre a origem da Desigualdade” (1755), a mesma nasceria com os direitos de propriedade, em choque contra as leis da natureza. Porém, para Adam Smith, desigualdades são produto da criação de privilégios legais e sociais como proteções, subsídios e poder de monopólio. Em “Uma Investigação sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações” Smith (1776), defende que ela ocorre dentro do funcionamento do mercado, diferentemente de Rousseau, segundo o qual a desigualdade se origina de acordo com as leis da natureza, em sintonia com ideal igualitário da competição de mercado.

No século 19, Thomas Robert Malthus destacou a Lei de Ferro dos salários nas suas publicações entre 1798 e 1826, ao passo em que David Ricardo, em 1815, desenvolveu a Teoria da Renda da Terra, que era diferente da Teoria dos Lucros; para ele, a renda da terra era dependente de fatores específicos: a produtividade, o diferencial do solo e o preço do produto final. Karl Marx, com a obra “O Capital”, 1867–1883, desenvolveu a Teoria da Exploração do Trabalho, conhecida como mais-valia, que alguns chamam atualmente de mais-valor, onde destacou a desigualdade e os conflitos de classes como características inevitáveis do sistema capitalista e preconizou o ideal de igualdade social. De acordo com Marx, a desigualdade é produto do capitalismo, por meio de um processo de exploração, extraindo mais-valia das massas trabalhadoras. Marx vê ainda o processo de crise no capitalismo pela falta de demanda, ou seja, se a classe trabalhadora não consome porque está apertada, oprimida, se desenvolve crises no capitalismo e conflitos de classe gerado pelo processo de acumulação.

Já no século 20, John Maynard Keynes discorreu sobre a distribuição desigual da riqueza nas sociedades capitalistas. Segundo ele, a classe trabalhadora fica sempre com a menor fatia do bolo e a maior fatia vai para os capitalistas. Na visão de Keynes, observamos a influência da era vitoriana e como ele percebeu o risco e as incertezas do sistema capitalista e seu papel. Destacou ainda o Animal Sprint ou Spiritus Animale: segundo Keynes, é um dos fatores que provoca as oscilações no ciclo econômico, baseado em crenças e otimismo – quando está presente nas decisões dos agentes, públicos ou privados, a economia cresce, ao passo em que quando está ausente a economia enfrentaria problemas. Keynes aborda ainda o papel do Estado no desenvolvimento econômico: muitos inclusive, acreditam na falácia de que Keynes teria aformado que o Estado teria que “gastar, gastar, gastar”. Mas ele nunca disse isso.

Neste mesmo século, Thorstein Veblen, em 1899, ficou conhecido pela Teoria da Classe Ociosa; segundo ele, esta classe resolveria o problema do consumo; destacou em sua economia institucionalista a importância do foco nas regras informais de conduta das quatro classes ociosas, masculinas e motivadas pelo prestígio.

Ainda no século 20, destacamos a visão de Joseph Schumpeter, para quem as desigualdades são essenciais, e são produto da mudança e inovação tecnológica, que por sua vez premiaria os promotores dessa mudança: é a chamada destruição criativa ou criadora. Para ele, o problema da desigualdade é a interferência do Estado, o qual encarnaria o leviatã.

Finalmente, merece destaque no mesmo período o autor Kuznets, vencedor do Nobel de Economia em 1971, tratando do tema da desigualdade versus crescimento econômico. Ele procurou entender a força por trás das desigualdades. Para ele, existiam as “desigualdades categóricas”, com características específicas relacionadas à raça, gênero, nacionalidade e status legal, destacando que separação, segregação e práticas discriminatórias reforçam desigualdades econômicas e analisando o gênero como uma construção social. Segundo Kuznets, onde há desigualdades categóricas institucionalizadas, não há democracia; esse autor descarta que a renda seria uma maneira adequada de estudar desigualdades categóricas. Aqui, chamamos a atenção para o debate essencial, que é o da interseccionalidade, que trata do cruzamento de várias desigualdades.

Em que pese todo o levantamento teórico-histórico e de dados que resgatam as questões relativas à desigualdade no mundo, Galbraith, nesta obra que estamos analisando, acaba focando no caso dos Estados Unidos para aprofundar o debate ao qual se propõe. Mas antes, alertamos que, quando se fala em desigualdade, é necessário ter em mente de qual desigualdade estamos falando – social, econômica, cultural ou educacional, e em que contexto, no mínimo histórico e geográfico, a mesma está sendo abordada. Além disso, é preciso cuidado ao pensar sobre o nível de desigualdade, que pode, na visão de alguns ser aceitável como a existente em uma “pressão arterial” desejável; porém, cabe lembrar que uma medição de pressão muito alta ou muito baixa pode levar o indivíduo à morte.

Lamentavelmente, essa pressão tem aumentado no mundo inteiro de tal forma que tem se tornado cada vez mais desigual e as consequências têm explodido em questões sociais, alterando o próprio sentido de justiça internamente e entre as nações. Esse problema, quando agravado, por exemplo, ao ponto de se desdobrar em desigualdades categóricas de uma maneira institucionalizada em uma nação, implica na incompatibilidade de convivência com a própria democracia; ou no mínimo, onde houver discriminação categórica, mesmo informal, a democracia não funcionará de maneira plena.

 

Leia o texto na íntegra no Congresso em Foco.

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