OPINIÃO

Guarino Rinaldi Colli é professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília, curador da Coleção Herpetológica da UnB (CHUnB) e pesquisador afiliado da University of Oklahoma, nos Estados Unidos. É Ph.D. em Organismic Biology pela University of California, instituição também estadunidense.

 Guarino Rinaldi Colli 

 

O Brasil é um país mega diverso, abrigando a maior riqueza de espécies de anfíbios e a terceira maior riqueza de répteis do mundo, atrás apenas da Austrália e México. Entretanto, essa grande diversidade de espécies está ameaçada pela perda e alteração dos ambientes naturais. Atualmente, cerca de 70 espécies de répteis são consideradas ameaçadas de extinção no país (Portaria MMA N° 148, de 7 de junho de 2022). Bachia psamophila é uma das espécies que requer atenção e que corre o risco de ser extinta no futuro próximo.

Bachia psamophila é uma espécie de lagarto em risco de extinção no Brasil. Foto: Divulgação


Criticamente Ameaçada (CR), essa rara espécie foi descoberta em 1999, durante estudos de impacto ambiental da formação do reservatório da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães (ou Lajeado), em Tocantins. Exemplares da espécie foram inicialmente registrados pelos biólogos Ayrton K. Péres Jr. e Reuber A. Brandão (hoje professor na Universidade de Brasília).

Em 2007, a espécie foi formalmente descrita por pesquisadores da Universidade de São Paulo. Desde a descoberta dos exemplares utilizados na descrição, nenhum outro indivíduo foi observado na natureza. No entanto, uma equipe de pesquisadores, em uma atividade do Plano de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção da Ictiofauna, Herpetofauna e Primatas do Cerrado e Pantanal (Cerpan) viabilizada pelo Projeto Estratégia Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (GEF Pró-Espécies), registrou diversos novos exemplares, trazendo esperança quanto ao futuro da espécie. Esses exemplares foram encontrados durante expedição realizada de 26 de setembro a 6 de outubro de 2023 no município de Miracema do Tocantins, próximo ao mesmo local onde, décadas atrás, a espécie foi originalmente registrada. O Cerpan é coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (ICMBio/RAN) e tem como um dos objetivos identificar e reduzir lacunas de conhecimento sobre as espécies-alvo e seus hábitats, incluindo Bachia psamophila.

Bachia psamophila é um pequeno lagarto de corpo serpentiforme, membros muito reduzidos e cauda alongada, adaptações ao estilo de vida subterrâneo. Muito seletiva em relação ao hábitat, até o momento sabe-se que a espécie vive somente nos chamados "tombadores de areia", como são localmente denominadas as paleodunas do rio Tocantins. Essas áreas de fina areia branca, cobertas por vegetação aberta de Cerrado, foram formadas no passado pela deposição de areia do rio em seu curso pretérito e ajudam a compreender a história do rio Tocantins.

Equipe de pesquisadores que estiveram na expedição em Miracema do Tocantins, onde exemplares do Bachia psamophila foram reencontrados recentemente. Foto: Arquivo pessoal


Embora o registro seja alvissareiro para a espécie, graves ameaças pairam no ar. A distribuição geográfica conhecida de Bachia psamophila não inclui nenhuma unidade de conservação de proteção integral para garantir sua permanência. Pelo contrário, parte dos ambientes onde a espécie ocorria originalmente foi alagada pelo represamento do rio Tocantins, enquanto as áreas restantes encontram-se ameaçadas por atividades agrícolas, mineração de areia e seixo, e pelo crescente interesse para o estabelecimento de casas de veraneio. Por outro lado, o novo registro demonstra que o conhecimento de nossa biodiversidade depende de investimento em pesquisa, da cooperação responsável entre instituições e do estabelecimento de políticas e estratégias de conservação dos ambientes naturais.

A equipe responsável contou com a participação de Deusdede Inocêncio Ferreira, José Geraldo da Silva, Luciana Signorelli e Rafael Valadão, do ICMBio/RAN; Ana Caroline C. Aragão, Cecília R. Vieira, Guarino Colli, Humberto C. Nappo, Luis Felipe C. de Lima e Reuber A. Brandão, da Universidade de Brasília; e Emannuel Ramos de Araújo, Geisa K. L. Vitorino da Silva, Heitor C. de Sousa, Isaias B. Oliveira, Júlia M. Campos, Ladislau F. Varão, Marco A. Rodrigues, Maria Fernanda O. Barbosa, Mikaella Milhomem Santos, Thiago Alves e Thiago C. G. Portelinha, da Universidade Federal do Tocantins.

 

ATENÇÃO – As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos. Crédito para textos: nome do repórter/Secom UnB ou Secom UnB. Crédito para fotos: nome do fotógrafo/Secom UnB.