OPINIÃO

Enrique Roberto Argañaraz é professor do Departamento de Farmácia da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Doutor pela UnB em Imunologia e Genética Aplicadas.

Enrique Roberto Argañaraz

 

A biologia tem seus fundamentos na química, que por sua vez abrange moléculas, átomos,íons e partículas subatômicas, e,portanto, está sob influência dos princípios da mecânica quântica. No entanto, ainda é difícil obter uma descrição completa do funcionamento de um organismo vivo de acordo com os princípios quânticos. A razão pela qual os princípios quânticos permanecem ocultos na maioria dos fenômenos biológicos não seria apenas uma questão de escala, mas também por um fenômeno conhecido como “efeito quântico quintessencial”. De acordo com este fenômeno, grupos de átomos,superior a 1000 átomos, e sob condições de temperaturas fisiológicas,têm maior probabilidade de ficarem “emaranhados” com outras partículas, levando a um “vazamento” de informação (decorrência quântica), o que leva ao sistema se comportar de acordo com os princípios de física clássica. Entretanto, há situações em que mesmo numa escala macroscópica os efeitos quânticos são percebidos de forma clara, como nos casos da supercondutividade e da superfluidez. A primeira abordagem para sistemas biológicos foi feita através de um experimento hipotético desenhado pelo físico austríaco Erwin Schrödinger em 1935, e conhecido como “gato de Schrödinger”, descrito como um paradoxo, onde a vida ou a morte de um gato em uma caixa lacrada, dependeria do estado de uma partícula subatômica sujeita a superposições quânticas.

 

Na última década, evidências crescentes sugerem que fenômenos quânticos não triviais, como emaranhamento, coerência, superposição e tunelamento, estariam envolvidos em biossistemas. Por exemplo, o tunelamento quântico estaria envolvido na transferência de prótons/elétrons, verificada em três processos biológicos básicos: mutações do DNA, respiração mitocondrial e catálise enzimática. No primeiro, “saltos quânticos” e ou tunelamento de prótons envolvendo formas tautoméricas de bases nitrogenadas poderiam desencadear mutações no DNA. No segundo, a alta eficiência com que as mitocôndrias produzem ATP (60–70%) obedece ao mecanismo quântico de tunelamento, mediante o qual elétrons e íons de hidrogênio (H+) atravessam uma barreira de potencial (a membrana mitocondrial) e são transferidos para as proteínas da cadeia de transporte de elétrons. O tunelamento de prótons, também está envolvido na catálise biológica, que se caracteriza pela especificidade e rapidez das ligações de hidrogênio entre a enzima e seu substrato, e a superposição quântica, permite a transição da forma tautomérica menor para a forma tautomérica principal sem qualquer atividade catalítica extra. 

 

A fotossíntese, fenômeno biológico essencial à vida, que permite a transformação da energia luminosa em energia química com uma incrível eficiência (aproximadamente 100%) é outro processo biológico inexplicável pela física clássica. Entretanto, a alta eficiência no transporte de energia luminosa (fótons) para os centros de reação (tilacoides) é explicável pela ocorrência do princípio quântico da incerteza e a característica ondulatória da matéria, o que permitiria que os éxcitons (cromóforos captadores de luz) se movam por “múltiplas trilhas”simultaneamente para chegar ao centro de reação, conseguindo assim,uma impressionante eficiência. Outro fenômeno, o da magnetorecepção, usado por seres vivos, migrantes e não migrantes, desde aves migratórias a peixes, crustáceos, anfíbios e insetos, para orientação-navegação através da detecção sensorial das linhas do campo geomagnéticose baseia no princípio de entrelaçamento quântico.Finalmente, a participação de fenômenos quânticos não triviais na forma de coerência, emaranhamento e tunelamento quântico, também foram envolvidos na gênese da consciência, bem como em fenômenos cognitivos.

Apesar da física moderna ter penetrado os domínios mais profundos da natureza e influenciado muitas áreas da ciência, o que contribuiu para uma associação bem-sucedida entre ciência básica e aplicada, as abordagens atuais utilizadas na biologia e outras áreas,como a neurociência, ainda se sustentam na filosofia de Descartes e na física de newtoniana, onde o racionalismo e o determinismo são as chaves para a compreensão dos mais variados fenômenos. Nesta perspectiva, a experiência ocupou um lugar de destaque e levou a resumir a realidade última como apenas aquilo que pode ser percebido-detectado e mensurado. Assim, diferentes campos da ciência tornaram-se técnicos e confinados pelos conceitos fundamentais da física clássica: tempo, espaço e matéria. Dentro deste contexto, embora não se conheçam ainda efeitos quânticos em maior escala e duradouros, a “Biologia Quântica” surge como um campo da ciência suficientemente estimulante para ser explorado e auxiliar no entendimento de fenômenos e conceitos mais fundamentais à vida.

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