OPINIÃO

Paulo José Cunha é professor da UnB, escritor e jornalista.

Paulo José Cunha 

 

Uma vez um famoso jornalista, hoje defensor tardio do bolsonarismo, afirmou anos atrás numa entrevista a uns alunos meus de Telejornalismo que de nada adiantava uma pessoa afirmar que um cavalo branco é preto porque o cavalo ia continuar sendo branco. A oposição bolsonarista no Congresso não se constrange em se expor ao ridículo quando, no relatório paralelo apresentado no encerramento dos trabalhos da CPI dos atos golpistas de 8 de janeiro, procurou de todas as formas convencer a opinião pública de que a responsabilidade pela depredação das sedes dos três poderes foi um ato deliberado do presidente Lula para a balbúrdia que se instalou na Praça dos Três Poderes em Brasília.

 

Apesar de todos os argumentos que criou, o cavalo branco vai continuar branco porque até o cachorro do vizinho sabe muito bem que é absolutamente sem sentido e delirante a tese idiota de que não se tratou de tentativa de golpe mas de uma “trama de incitação ao vandalismo” para Lula “tirar proveito político” dos acontecimentos. E que as ações dos vândalos foram, apenas ações “democráticas e desejáveis num Estado de Direito”. Como assim “democráticas”? Como assim “desejáveis”? O senador Magno Malta (PL-ES), um dos signatários do esdrúxulo documento de 300 páginas de insanidades chega a afirmar que o relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI, que condena Bolsonaro e sua gangue, não passa de uma “narrativa” (a palavra da moda que substituiu a boa e velha “versão”) “destinada a atingir um só homem: Jair Bolsonaro”. O ridículo sobe no telhado quando se imagina o tamanho do maquiavelismo de Lula que, mesmo eleito, teria instrumentalizado uma turba de malfeitores, formada por... bolsonaristas (?) para destruir justamente os três poderes garantidores de seu novo mandato. Caramba! Como é que Maquiavel não pensou nisso?

 

Os signatários do voto em separado da oposição não têm o menor constrangimento em afirmar que a narrativa de golpe é “absolutamente fantasiosa por se tratar de crime impossível”. Dá pra rir três dias e três noites com as respectivas madrugadas da afirmação que vem em seguida, segundo a qual “não se realiza um golpe de estado e nem se turba o exercício de poderes constituídos sem armas, sem qualquer apoio proveniente dos próprios poderes constituídos, e em um domingo”. Óbvio que não. Por isso mesmo Bolsonaro tentou, em seu governo, aparelhar toda a máquina pública nomeando a torto e a direito mais de 6 mil militares da ativa e da reserva, buscando cooptá-los a um golpe que já previa. No máximo, conseguiu cooptar aquele minúsculo grupo palaciano de saudosistas de 1964, como o general Augusto Heleno, que trabalhou para o linha-dura Sylvio Frota, o general que que almejava ser alçado à presidência da república mas, demitido em 1977 pelo general Ernesto Geisel do cargo de Ministro do Exército, botou a violinha no saco e foi pra casa escrever um livro em que acusa Geisel de ter se aliado aos marxistas... Quá! Quanto à menção ao dia de domingo, até hoje não se sabe por que razão um golpe de estado pode ser dado numa segunda, numa quinta ou até num sábado mas deve-se evitar, sabe-se lá por quê os domingos para a tomada violenta do poder. Talvez porque domingo seja dia de descanso, e não de derrubar democracias. 

 

Os signatários do voto em separado da oposição não têm o menor constrangimento em afirmar que a narrativa de golpe é “absolutamente fantasiosa por se tratar de crime impossível”. Dá pra rir três dias e três noites com as respectivas madrugadas da afirmação que vem em seguida, segundo a qual “não se reA pior característica da oposição bolsonarista é a incompetência. E olha que eu quase escrevia “a burrice”. Na ausência de argumentos plausíveis, entregam-se a um delírio inconsequente como o que tomou os que acamparam em frente aos quartéis na expectativa frustrada de que seus ocupantes de lá saíssem pra tirar na marra e nas armas Lula do Palácio do Planalto. A insanidade pôde ser fartamente comprovada pela ação dos próprios arruaceiros do 8 de janeiro, que confundiram “derrubada das instituições democráticas” com a derrubada dos prédios que as abrigam, tais como o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Mesmo que os prédios viessem abaixo, a democracia, que é um valor abstrato, não sofreria um arranhão. O presidente podia despachar numa barraca, o Congresso se reunir num gramado e o Supremo realizar sessões num hotel. Qual o problema?

 

Há um preceito antigo segundo o qual a democracia precisa de uma oposição forte e atuante. Afinal, é papel da oposição acompanhar os passos, gestos e ações do governo, apontar os podres e exigir o cumprimento das leis. Mas o que se percebe na oposição bolsonarista é a completa ausência de responsabilidade investigativa, de acompanhamento das ações do governo, da apresentação de propostas alternativas ao que acha que está errado. Ao contrário, a oposição bolsonarista é composta por uma tropa desarrumada de incompetentes incapazes de cumprir minimamente as funções que lhes cabem numa democracia. 

 

De volta ao início: haverá alguém que, em sã consciência, acredite mesmo que a arruaça do 8 de janeiro foi obra de Lula e Flávio Dino, como está escrito no voto alternativo apresentado pela oposição lá na CPMI do 8 de janeiro? E que Bolsonaro, Braga Netto, Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos, Paulo Sérgio Nogueira, Mauro Cid, Anderson Torres, Silvinei Vasques e Carla Zambelli foram vítimas de uma trama armada por Lula para... para o quê mesmo?

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