OPINIÃO

Danglei de Castro Pereira é professor de literatura brasileira no Instituto de Letras na Faculdade Universidade de Brasília

Danglei de Castro Pereira

 

No mundo non me sei pareiha, Mentre me for como me vai, Ca já moiro por vós – e ai! Mia senhor branca e vermelha, Ribeirinha ou Cantiga da Guarvaia (1188/1118?) - Paio Soares de Taveirós 

  

No último dia 05 de novembro, comemorou-se o Dia Nacional da Língua Portuguesa. A homenagem criada pelo Decreto-lei nº 11.310, de 12 de junho de 2006, (e que faz também uma reverência ao escritor e intelectual Rui Barbosa de Oliveira, nascido em 5 de novembro de 1849) é uma forma de valorizar a língua portuguesa falada no Brasil. A data retoma, de forma idiossincrática, o Dia Mundial da Língua Portuguesa, também chamado de Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, comemorado em 5 de maio. A língua portuguesa é hoje o quinto idioma mais falado no mundo, sendo língua oficial dos países da comunidade lusófona, quais sejam: Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, além de outros países, como, por exemplo, Macau.

 

A língua portuguesa não é propriedade de Portugal, como problematizado, por exemplo, em uma das questões do ENEM, aplicado em 05 de novembro de 2023 em todo território brasileiro. É, antes, diversa em sua materialidade linguística e sonora ao apresentar variantes e complexidade próprias de uma língua falada em um território vasto como o Brasil. É, também, resultado de uma imposição de povos invasores a nações ocupadas em um espaço com formação étnica e cultural múltipla e distinta do cenário europeu das grandes navegações do século XV e XVI.

 

É bem verdade que o diretório que fez publicar o Marquês de Pombal, posteriormente convertido em lei pelo alvará de 17 de agosto de 1758, impunha aos povos conquistados a língua portuguesa. O português brasileiro, entretanto, é permeado pela rebeldia da língua Nheengatu que forçosamente resiste, modifica, dando características singulares ao português falado e escrito no Brasil ao longo dos séculos vindouros até os dias de hoje. Nessa perspectiva, o português brasileiro, homenageado em 05 de novembro, resulta da subversão da lei pombalina e, por isso, é uma forma de resistência dos povos invadidos em relação ao percurso histórico de formação da nação. 

 

Diferentemente de seus irmãos na África, na Europa e na Ásia, o português brasileiro é uma declaração de independência, de luta. Pensar, portanto, o Dia Nacional da Língua Portuguesa é compreender a língua portuguesa no Brasil como importante instrumento de expressão cultural e, sobretudo, uma forma de veiculação da visão de mundo do Brasil, em muito, singular e repleta de marcas de nossa cultura, de nossa identidade, não como melhor ou pior em relação aos países irmãos da comunidade lusófona, mas como singular forma de mobilizar a língua portuguesa à brasileira. 

 

Retirada de um dos primeiros registros literários do que hoje denominamos língua portuguesa, a epígrafe de abertura deste texto remete à origem histórica da língua nos primórdios do século XI; sendo possível antever sua tendência à diversidade no diálogo com as variações e derivações do galego/português. Trata-se, entretanto, de um longo caminho na história até chegarmos aos dias de hoje. Pouco a pouco, a língua singulariza os usos e modos de construção da língua portuguesa falada nos países lusófonos. 

 

Oswald de Andrade, importante poeta modernista brasileiro, no poema “Erro de português” expressa a diversidade e singularidade do português brasileiro: 

 

Erro de português

 

Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!

 

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.

 

ANDRADE, O. 1927.  

 

Nesse poema escrito em 1925 e publicado no Primeiro caderno de poesia do aluno Oswald de Andrade, na seção “Poemas menores”, para além da adesão rebelde ao poema piada e às inovações da lírica do início do século passado, paira a indicação de um “erro” do invasor: o homem português que “chega debaixo de uma bruta chuva” e “despe o índio”. 

 

Nesse “penoso” processo de transfigurar o “erro” em um novo caminho, o eu-poético apresenta a complexidade das culturas em contato e, por isso, imagina – semioticamente – a “manhã de sol” que inverteria, no subjuntivo “fosse”, a história do contato entre o invasor português e os nativos brasileiros. Nesse prolongamento ficcional, cria-se uma possibilidade possível apenas aos olhos do poeta, como uma espécie de imagem invertida que o poema lança aos olhos do leitor. 

 

Ao fim deste texto, que louva o Dia Nacional da Língua Portuguesa no Brasil, resta a esperança de que os falantes do português brasileiro ampliem os limites estilísticos da língua portuguesa em direção ao novo.

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