OPINIÃO

 

Ricardo Bomfim Machado é biólogo e professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas (IB). Coordena o Laboratório de Planejamento para Conservação e atua nos programas de pós-graduação em Ecologia e Zoologia do IB.


 

Ludmilla Moura de Souza Aguiar é professora do Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas (IB). Atua nos programas de pós-graduação em Ecologia e Zoologia do IB.



 

Guarino Rinaldi Colli é professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas (IB), curador da Coleção Herpetológica da UnB (CHUnB) e pesquisador afiliado da University of Oklahoma, nos Estados Unidos. 

Ricardo B. Machado, Guarino R. Colli e Ludmilla M.S. Aguiar

 

Nossa admiração pelos gatos domésticos é bastante antiga, pois eles convivem conosco (ou será o contrário?) há milhares de anos. Mais do que um animal de companhia, os gatos prestam um bom serviço no controle dos indesejáveis roedores em áreas urbanas. Por esse motivo eram considerados quase divindades pelos egípcios, pois protegiam as plantações dos roedores. Eram considerados a representação carnal de Bastet, filha de Ra. De fato, a capacidade de predação dos gatos domésticos é fantástica graças às suas diversas adaptações, como visão aguçada, bom olfato e audição, postura, agilidade e forma silenciosa de se locomoverem.

Mas aquilo que por um lado desperta nossa paixão, por outro causa enorme preocupação quando falamos sobre a conservação de espécies da fauna nativa. Gatos soltos em áreas urbanas e nas proximidades de áreas nativas causam enormes impactos na fauna, seja de aves, répteis, anfíbios ou pequenos mamíferos. Para ter uma ideia desses impactos, estima-se que o número de animais predados anualmente por gatos domésticos asselvajados e aqueles que vivem em residências seja algo entre 1,61 a 4,95 bilhões de aves e 3,61 a 9,80 bilhões de mamíferos somente na China¹. Um outro estudo conduzido nos Estados Unidos sugere números igualmente estratosféricos: 1,3 a 4,0 bilhões de aves e 6,3 a 22,3 bilhões de mamíferos mortos anualmente por gatos asselvajados². No Canadá existem estimativas que sugerem algo entre 100 e 350 milhões de aves predadas pelos gatos³. Na Colômbia, as estimativas sugerem que somente em áreas urbanas, o total de vítimas anuais dos gatos seja de 12 milhões de aves£. A situação é tão preocupante na Austrália, devido à ameaça que os gatos causam em mais de 100 espécies nativas do país, que o governo de lá resolveu criar uma força-tarefa para a erradicação dos felinos ferais, declarados oficialmente como “pestes”. Afora os impactos sobre a fauna nativa, gatos podem transmitir aos humanos doenças como a toxoplasmose, raiva, esporotricose, micoses e infecções bacterianas.

Os estudos sobre os impactos dos gatos asselvajados no Brasil são muito escassos, localizados e, por esses motivos, urgentemente necessários. Um estudo conduzido no interior de São Paulo indica o consumo de mamíferos nativos como preás, gambás, furões, tapitis, cuícas e ratos selvagens5. No campus Darcy Ribeiro, os gatos podem ser encontrados em vários locais e os impactos causados por eles podem ser sentidos, embora ainda não tenham sido quantificados. Duas espécies de lagartos nativos (o calango-comum Tropidurus torquatus, e o calango-verde Ameiva ameiva) eram bastante comuns nas dependências do Instituto de Ciências Biológicas. Porém, com o aumento da população de gatos no IB, essas duas espécies praticamente desapareceram. Os gatos, em número variável, mas não menos que sete indivíduos, se concentram na área da garagem do IB, onde regularmente recebem água e ração. Embora exista uma iniciativa para castrá-los, eles são predadores eficientes e continuam se alimentando da fauna nativa, que está sob constante ameaça. Ademais, os depósitos de materiais do IB situados na garagem estão sujos com fezes e urina dos gatos e infestados de pulgas, aspecto que impacta e limita o uso desses espaços. Sugerimos uma ação imediata para que esses animais sejam eliminados da área e encaminhados para abrigos. Isso é necessário para que a fauna nativa possa retornar e reocupar os espaços perdidos nos jardins do IB.


Fontes citadas:
1 - https://doi.org/10.1016/j.biocon.2020.108929
2 - https://doi.org/10.1038/ncomms2380
3 - http://dx.doi.org/10.5751/ACE-00557-080203
4 - https://doi.org/10.5751/ACE-02200-170216
5 - https://doi.org/10.1111/j.1469-7998.2007.00291.x

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