OPINIÃO

Paulo Cesar Marques da Silva é professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília. Doutor em Estudos de Transporte pela Universidade de Londres, mestre em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e graduada em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é chefe de gabinete da reitora da UnB.

Paulo Cesar Marques da Silva 

 

Ainda não li o recém-lançado “Os Ricos e os Pobres” mas ouvi seu autor, o professor Marcelo Medeiros, em ótima conversa com Eduardo Sombini no episódio de 11 de novembro do podcast Ilustríssima Conversa. Duas afirmações do entrevistado me chamaram a atenção. A primeira é óbvia porque constitui o argumento central da conversa: toda política pública precisa ser necessariamente uma política de combate à desigualdade. Já a segunda é potencialmente polêmica porque desbanca a ortodoxia que desqualifica as agendas chamadas de identitárias ao defender que desigualdades de gênero e raça não podem ser eclipsadas pelo foco na desigualdade de renda.

 

Neste mês da Consciência Negra, a entrevista do professor Medeiros remeteu-me ao trabalho de outros pesquisadores e ativistas, que vêm dedicando parte significativa de seus esforços ao estudo da marcação racial nas relações entre mobilidade e segregação urbana. São eles Daniel Santini, Paíque (Paulo Henrique) Santarém e Rafaela Albergaria, organizadores do livro “Mobilidade Antirracista” (Ed. Autonomia Literária/Fundação Rosa Luxemburgo, 2021). 

 

Reproduzo aqui o texto de apresentação que lemos na quarta capa da obra, escrito por ninguém menos que Silvio Almeida, hoje ministro dos Direitos Humanos, que à época assinou como presidente do Instituto Luiz Gama: "Mobilidade Antirracista" coloca em questão um dos aspectos mais importantes e menos discutidos do racismo: a espacialidade. O racismo é relação social e, como toda relação, se materializa em um espaço constituído por determinadas condições históricas. Pensar a "raça" de forma crítica é, portanto, considerá-la um construto socioespacial. Com efeito, características físicas e práticas culturais são apenas o dispositivo que faz atuar sobre os indivíduos uma série de mecanismos de controle e de dominação. O tratamento dispensado pelo presente livro à questão da mobilidade urbana nos leva a refletir como o racismo opera na configuração dos espaços e na determinação das condições com que os corpos se movimentam em cidades organizadas pela lógica da exploração capitalista. Por isso, a luta antirracista consiste na formulação teórica e na realização de práticas políticas que quebrem as interdições raciais e de classe

São muitas as contribuições que o livro reúne, oferecendo uma ampla diversidade de enfoques para abordar o tema, como é próprio de uma coletânea. Não cabe, pois, alçar um deles ao status de linha condutora comum a todas as análises. Mas é possível enxergar no conjunto dos textos a revelação da verdade insistentemente varrida para baixo do tapete pelas narrativas prevalecentes da constituição desta nossa sociedade campeã de desigualdade: o sequestro da subjetividade do povo negro. 

 

Um indício disso aparece com todas as letras logo na "Nota da primeira edição - Direito a se mover, direito a existir", assinada pelos três organizadores, quando afirmam que "o ser humano é tratado como mercadoria não de hoje" e ilustram a afirmação com a descrição do tráfico de pessoas escravizadas trazidas da África. À medida que avançamos na leitura, mais e mais evidências são produzidas de que ao povo negro é negada a condição de sujeito da própria mobilidade, portanto de seus direitos. 

 

No mês de novembro, o país também celebra o aniversário da República, que já nasceu devedora da população negra, fruto que foi do golpe revanchista empreendido pela elite rural brasileira saudosa da escravidão. Parece uma ocasião muito propícia à leitura dos dois livros.

 

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