OPINIÃO

Paulo José Cunha é professor da UnB, escritor e jornalista.

Paulo José Cunha

 

Nós não estamos mais respirando um ar puro nessa terra, o mundo está mudando. Eu vou continuar alertando: nosso dever é cuidar da natureza. Vamos existir por muito tempo, mas, se a destruição continuar, todos nós vamos desaparecer” – Raoni Metktire, cacique caiapó.

 

Chega. É preciso parar com o discurso cômodo, bonitinho e sorridente de que vivemos a época da “adaptação às mudanças climáticas”. É preciso e urgente dar um corajoso salto à frente. É preciso ter a coragem de enfrentar um desafio que tem a ver, apenas – como se fosse pouco - com a sobrevivência do homem e do planeta. Trata-se de implementar medidas drásticas capazes de reduzir o avanço assustador dos níveis de devastação ambiental. Isto para, a partir daí, e num futuro muito, mas ainda muito distante, abrir espaço para o início de um processo de regressão na agressividade contra o meio ambiente capaz de recolocar o planeta em níveis pelo menos aceitáveis de equilíbrio climático. 

 

Por enquanto, as perspectivas são sombrias e, raciocinando de forma absolutamente realista, só nos resta ser... pessimistas. Sim, pessimistas. Catastróficos. Porque apenas os otimistas sorridentes acreditam que um processo de adaptação permanente resolverá o problema. No máximo, adiará uma já difícil solução. Ou atingirá um “point off no return”, quando nada mais poderá ser feito e “será o fim da aventura humana na terra”, como diz a letra daquela música da banda Eva composta por Giancarlo Bigazzi e Umberto Tozzi.

 

Catastróficos? Sim, é o que precisamos ser

 

Nós, os pessimistas, acreditamos que o ritmo de crescimento exponencial da ganância pelo lucro em detrimento dos cuidados com as condições ambientais é infinitamente maior do que do que a consciência quanto aos cuidados necessários ao uso racional dos recursos da natureza. Enquanto o lucro a qualquer custo não der espaço à tomada de consciência em relação aos danos assustadores que o planeta vem sofrendo, vamos continuar a tapar o sol com a peneira. Sem o pessimismo que assusta e faz pensar numa alteração no tenebroso curso que os acontecimentos ambientais vêm tomando, não há solução à vista. O velho e surrado discurso otimista de que sabemos que a situação é trágica mas “é preciso torcer para estarmos errados”, já não funciona mais. Torcida não ganha jogo. É preciso ação, que terá de vir de uma tomada de consciência em nível planetário, que resulte no convencimento de governantes, sociedade, academias, ONGs e cidadãos de maneira geral para uma realidade inevitável: o planeta está sob ataque e pouco ou quase nada tem sido feito de concreto para conter os danos. E muitos deles, como o desaparecimento de diversas espécies, já se tornaram irreversíveis.

 

Sem pessimismo não há solução 

 

Ligue a TV, o rádio, acesse os sites de notícias, leia os jornais: todos os meios de comunicação anunciam que, apenas em um único país, chamado Brasil, a mudança climática tem causado impactos tão violentos que, há meses, observam-se enchentes terríveis onde deveria estar havendo estiagem. E estiagem aguda onde deveria estar... chovendo. Tudo ao mesmo tempo, agora. Pra quem sabe ler, pingo é letra. O rio Negro, no Amazonas, para ficar num único exemplo, vem registrando níveis muito mais baixos do que o recorde negativo registrado em 1902, ou seja, há 121 anos. As queimadas vêm poluindo de tal forma o ar da Amazônia que já extrapolou em mais de 10 vezes o nível considerado “péssimo” pela Organização Mundial de Saúde. Ao mesmo tempo, no sul do país, a realidade inversa vem produzindo um estado de calamidade pública sem precedentes, com tempestades tão violentas que já destruíram cidades inteiras, além de danos irreparáveis à lavoura e à pecuária. Os devastadores e os poluidores dos rios, dos mares, do ar e da terra, só eles não percebem, mas sua ganância está matando a galinha dos ovos de ouro. Pois os que degradam em troca de lucro fácil e irresponsável com o meio ambiente em pouco tempo não obterão mais é lucro algum. E olha que nem citamos os impactos trágicos causados pelo derretimento das calotas polares, que vêm causando a elevação dos níveis dos oceanos, o desaparecimento de ilhas e a redução dramática das margens dos oceanos, com impacto direto na sobrevivência de diversas espécies. 

 

Enquanto gasta-se tempo e latim aos baldes em discursos a favor da preservação ambiental, pouco ou quase nada de concreto vem sendo feito. Isto em escala planetária. É preciso por na cabeça que os maiores devastadores e poluidores só entendem uma linguagem, chamada... dinheiro. Enquanto as prisões e as multas por danos ambientais não impactarem com força a vida e sobretudo o bolso, que é a parte mais sensível do corpo deles, nada acontecerá. E a destruição continuará em ritmo cada vez mais acelerado. No plano da educação, as iniciativas igualmente são muito tímidas. Até hoje não foi criada uma só disciplina chamada “educação ambiental”, que traga instrução e alerta corretos desde a mais tenra infância. Nem se cogita na adoção de medidas capazes de favorecer a ideia de uma educação ambiental global. Ou seja, uma educação que vá além do quintal de cada casa e favoreça a conscientização ambiental planetária. Pois, como dizia Edward Lorenz em 1969, “o bater das asas de uma borboleta no Brasil pode ocasionar um tornado no Texas”. Ainda agora foi divulgado um estudo publicado na revista Pnas por pesquisadores brasileiros e britânicos provando que o desflorestamento da Amazônia produz uma elevação no aquecimento que pode ser percebida a 100 quilômetros de distância. Sem falar na degradação da qualidade do ar, que tem impacto planetário, pois o ar não respeita fronteiras geográficas. 

 

A tal de “adaptação às mudanças climáticas” não passa da tentativa cômoda, conveniente e egoísta de empurrar o problema com a barriga. Algo do tipo: “Vamos aproveitar agora e queimar o que pudermos porque lá na frente estaremos mesmo mortos e aí eles que se virem pra descascar o abacaxi”. Daí a importância do pessimismo como agente de mudança. Pois todo otimista é acomodado. Como diz o cacique Raoni, citado lá na epígrafe deste artigo, “se a destruição continuar, todos nós vamos desaparecer”. Simples, direto e... verdadeiro.

 

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.