OPINIÃO

Leonardo de Almeida Sodré é médico psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília.

Leonardo de Almeida Sodré

 

Mais um ano se inicia e, como todo início de mês, novas campanhas de promoção de saúde surgem nas mídias para alertar a população sobre determinadas patologias. Há dez anos surgiu no Brasil o Janeiro Branco, campanha voltada para a promoção de saúde mental. Diferente do Setembro Amarelo, voltado para a prevenção do suicídio – sem provocar comparações, pois são temas igualmente importantes e complementares no mesmo propósito – o Janeiro Branco visa à promoção de saúde mental com foco na saúde em si. Seu idealizador, o psicólogo Leonardo Abrahão, escolheu o mês de janeiro como proposta de associar a promoção de saúde mental a este momento do ano em que as pessoas geralmente estão planejando suas metas para o ano que se inicia. E com este clima de promoção de saúde mental, aproveito para incitar uma reflexão.

 

Temos pelo menos uma década de campanhas discutindo a necessidade de refletirmos sobre nossa saúde mental. Ao mesmo tempo, temos um aumento vertiginoso da incidência de transtornos mentais e de casos de suicídio na população, com estes dados sendo mais marcantes na população mais jovem. O que será que está acontecendo? Estamos alcançando nossos objetivos?

 

Quando lidamos com prevenção em saúde, há três níveis de atuação importantes: prevenção primária, em que trabalhamos a promoção de estilo de vida saudável para que se previna o desenvolvimento de estados patológicos; prevenção secundária, para que atuemos sem demora naqueles que começaram a manifestar algum sofrimento psíquico; e prevenção terciária, para que possamos promover melhora de estados graves e crônicos de adoecimento psíquicos, diminuindo os prejuízos de funcionalidade. A campanha Janeiro Branco tem um papel fundamental de prevenção primária e secundária, informando a população sobre a importância de mudança de estilo de vida e sobre como e onde buscar ajuda para aqueles que estão manifestando adoecimento psíquico. No entanto, seus benefícios podem ser potencializados ou anulados a depender de outras ações.

 

Ao longo destes anos lecionando para graduandos de medicina, espantei-me com o desconhecimento dos alunos acerca dos agravos à saúde mental pelo uso de substâncias de abuso, não apenas em relação ao consumo de substâncias ilícitas, mas inclusive em relação à difundida prática de consumo de bebidas alcoólicas. Apesar do crescimento na produção de conhecimento científico na área, via alunos cada vez mais habituados a consumirem álcool e outras drogas em grandes quantidades, mesmo aqueles mais engajados em campanhas de promoção de saúde mental. Igualmente preocupante é a ausência de ferramentas sociais e institucionais para a substituição de comportamentos de risco para o adoecimento psíquico por comportamentos de promoção de saúde, como a prática de esportes, a boa higiene do sono e, até mesmo, acesso a serviços de saúde mental amplos. É praticamente inexistente nas universidades federais um corpo técnico mínimo para atendimento de alunos, com assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e psiquiatras – quando presentes, seu numero reduzido não consegue dar conta da enorme demanda. Ao longo desses anos, recebi pedidos de muitos alunos aflitos, passando por quadros de ansiedade e depressão, às vezes em situações de urgência, sem saber onde encontrar socorro, pois os meios existentes estavam lotados e sem previsão de conseguir atendimento.

 

Este fenômeno de dissociação, onde o discurso teórico de promoção de saúde está desconectado do comportamento, não se restringe aos alunos universitários. Encontramos, por exemplo, o corpo docente também por vezes adoecido, com saúde mental precária, que se relaciona de forma severa com alunos e entre seus pares, perpetuando um meio institucional muitas vezes hostil, particularmente para os mais vulneráveis ao adoecimento mental. Encontramos também uma sociedade com comportamentos culturais também dissociados, buscando promover a saúde mental em janeiro e promovendo uma semana de abuso de substâncias e perda de controle de impulsos no mês seguinte durante o carnaval. E estes comportamentos de risco para a saúde mental seguem ao longo do ano em maior ou menor intensidade.

 

Portanto, humildemente proponho a você, leitor, refletir sobre as seguintes questões: que hábitos você desenvolveu nestes últimos meses que vão de encontro a uma saúde mental adequada? Como você tem promovido a sua saúde mental e a das pessoas com quem você convive, seja em sua família, em seus vínculos de amizade, em seu trabalho? Quais seus planos de vida e como eles se conectam a um estilo de vida saudável do ponto de vista físico e mental? Pois pouco efeito terá ao discutirmos saúde mental se não formos capazes de analisarmos como estamos nos tratando e como estamos tratando as pessoas com quem convivemos. Pouco efeito terá se nós formos incapazes de analisar que sentido, que propósito, queremos dar à nossa existência.


 

 

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