OPINIÃO

Hugo Leonardo Ribeiro é professor efetivo do Departamento de Música da Universidade de Brasília. Doutor em Música pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Hugo Leonardo Ribeiro

 

De acordo com o site da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), esse foi o dia da fundação da Sociedade de Autores e Compositores do México (SACM), assumindo-se como Dia Mundial do Compositor em 1983. Entretanto, uma pesquisa mais ampla não nos diz muito mais do que isso. Não há um site ou referência em inglês. Por outro lado, temos o “Fête de la musique” ou o “Dia Mundial da Música” em 21 de junho e o “Dia internacional da música” em 01 de outubro, cada qual com sua própria história.

 

Datas comemorativas nem sempre conseguem se estabelecer nacionalmente, quiçá, mundialmente. Mas isso não nos impede de cumprir sua principal função que é a de usar a data para lembrar ou homenagear pessoas e/ou eventos históricos. Concentremo-nos, então, no ofício do compositor musical.

 

Na grande maioria das culturas, o papel do compositor quase sempre está atrelado ao papel do executante, sendo quase impossível de separar uma coisa da outra. Mesmo em situações que uma determinada melodia ou canção tenha sido executada por outra pessoa que não a “compositora” inicial, não necessariamente existe tal papel e ou intenção de preservar a origem da música atrelada ao compositor. Por isso é muito comum, em culturas populares, as melodias anônimas (de compositor desconhecido) cujo processo de transmissão oral/aural realizado por um longo período de tempo tenda a levar ao esquecimento do criador inicial. Inclusive, esse tipo de anonimato, juntamente com a antiguidade, era um dos principais pilares da definição se uma determinada música ou manifestação popular poderia ser considerada “folclórica” ou não.

 

Curiosamente há casos de “criação coletiva” ou, digamos assim, “permissão de uso” de determinados padrões musicais e textuais dentro de determinada categoria ou subgrupo cultural. Nesses contextos, a composição não é concebida como originária de um único indivíduo, mas sim de ideias e pequenos padrões que emergem, sendo aceitos e incorporados por outros músicos e, aos poucos, repetidos e modificados. No entanto, quando o uso desses padrões extrapola o grupo de artistas inicial e é adotado por indivíduos sem conexão com a cultura original, surge uma conotação negativa de plágio ou, conforme expresso nos dias atuais, apropriação cultural.

 

De certa forma, podemos atrelar o surgimento da figura do compositor, o indivíduo responsável pela criação de uma certa obra musical, à invenção da escrita musical, possibilitando que, em alguns locais e situações, se iniciasse uma separação entre o músico que cria e aquele que executa a composição. Na música ocidental, alguns dos primeiros registros escritos que chegaram até nosso tempo foram escritos por Hildegard de Bingen, abadessa de origem nobre que viveu no século XII. Em seguida, temos composições importantes da escola de Notre Dame, mais especificamente dos compositores Leonin e Perotin, responsáveis pelo início da polifonia musical ocidental (duas ou mais melodias independentes sendo executadas simultaneamente).

 

A partir de então, a separação entre compositor e intérprete(s) passa a ser determinada não somente pela impossibilidade de o músico executar o que imaginou (pense numa sinfonia tocada por uma orquestra – outra situação possibilitada pela invenção da escrita musical), mas também por interesses financeiros.

 

Com o advento da imprensa, os compositores ganharam a oportunidade de comercializar suas obras para serem interpretadas por amadores, eliminando as barreiras geográficas e libertando-se da dependência da transmissão oral/aural. Esse marco histórico marcou o início de uma batalha pelos direitos autorais, desencadeando conflitos relacionados a plágio e pirataria. Sim, desde o início da imprensa já podemos identificar vestígios de partituras sendo vendidas em diferentes cidades e países, muitas vezes sem o conhecimento ou a devida compensação financeira para os criadores das obras. Esse fenômeno evidencia os desafios enfrentados pelos compositores na proteção de seus direitos autorais desde os estágios iniciais do comércio musical.


Com o advento dos sistemas de gravação mecânica no final do século XIX, e das reproduções em multimídia do século XX (como o cinema falado, televisão, internet, etc.), observamos o surgimento de um paradigma para os músicos. Agora, não basta apenas cantar ou tocar bem; é necessário seguir um padrão tácito de beleza. Infelizmente, a carreira de compositor nem sempre alcança o mesmo sucesso comercial do intérprete. Diante desse cenário, alguns compositores/intérpretes, que não se encaixam nos requisitos comerciais estabelecidos, optam por se concentrar exclusivamente na esfera da composição. Eles passam a depender do interesse de intérpretes já consolidados para obter sucesso e, posteriormente, buscam associar esse êxito à sua própria carreira como músicos intérpretes.

 

E o fosso financeiro entre compositores e intérpretes da música popular, bem como entre músicos e a indústria da música se aprofundou com o advento dos aplicativos de streaming, que repassam compensações mínimas aos artistas. Nesse cenário, é crucial que entidades atuem como defensoras na luta por valores justos para os criadores de músicas que alcançam sucesso através de determinados intérpretes. Ademais, se o público foi progressivamente condicionado a consumir música de forma gratuita, resistindo até mesmo ao pagamento de couvert artístico para intérpretes que dedicam noites inteiras a entreter uma plateia pouco interessada, não terá preocupação com a capacidade do compositor, responsável pelas melodias que os deleitam em viagens nostálgicas, em arcar com as despesas de aluguel de sua casa e família.

Finalizo sugerindo que o leitor separe um espaço de seu lazer e procure saber quem são só compositores de suas músicas favoritas. Atenção, eu disse compositores e não os intérpretes. Guarde seus nomes e, se ainda estiverem vivos, vá aos seus shows/concertos. Compre as canecas, camisas, lembrancinhas que são vendidas na entrada dos shows. Lembrem que, sem Francis Hime não teríamos a canção “Trocando em miúdos”, e sem Ary Barroso não teríamos “Aquarela do Brasil”. Quem é o compositor de sua música predileta?

 

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