OPINIÃO

 

 

Paula Maria Correa de Oliveira é pós-doutoranda no Laboratório de Farmacognosia da Universidade de Brasília. Doutora em Biodiversidade e Biotecnologia (UFPA/UnB).

Paula Correa

 

Você conhece Amazônia, é claro! O bioma mais falado nas mídias sociais, e por isso pode parecer muito familiar, não é? No entanto, pouco se conhece sobre o seu real valor. A Amazônia é a floresta equatorial mais extensa do mundo, o habitat de pelo menos uma em cada dez espécies de mamíferos, peixes, pássaros e árvores do planeta. Além de toda riqueza animal, vegetal e microrganismos, ela acolhe um conjunto de valores tradicionais, crenças, atitudes e modos de vida que moldaram a organização social e o sistema de saberes, práticas e usos dos recursos naturais, que antes eram predominantemente indígenas, mas hoje caracterizam diversas populações que vivem nesta região.

 

Estudar o conhecimento tradicional associado a comunidades e/ou populações da Amazônia foi o meu objetivo acadêmico. Assim, surgiu a oportunidade de desenvolver a minha pesquisa de doutorado no âmbito de dois projetos. O primeiro, intitulado Estudos etnobotânicos e etnofarmacológicos em comunidades amazônicas: usos, conservação e aplicabilidade, coordenado pela Dra. Márlia Coelho-Ferreira, do Museu Paraense Emílio Goeldi, e o segundo, ArboControl BrasilArbovírus dengue, Zika e chikungunya compartilham o mesmo inseto vetor: o mosquito Aedes aegypti – moléculas do Brasil e do mundo para o controle, novas tecnologias em saúde e gestão da informação, educação e comunicação, que foi coordenado pela professora Laila Salmen Espindola, da Universidade de Brasília.

 

E foi com enorme curiosidade pelo desconhecido que, em 2018, embarquei em uma excursão, durante semanas, transladando por diversas comunidades que habitam o entorno da Floresta Nacional de Caxiuanã, uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável da Amazônia. Nesta viagem, escolhemos desenvolver a pesquisa junto à Comunidade São Sebastião de Marinaú.

 

Após o consentimento da população para realização do estudo, pude passar longos períodos junto aos moradores de Marinaú, aprendendo com eles sobre a percepção local dos mosquitos enquanto transmissores de doenças e o uso de plantas como repelentes. Nesta primeira fase da pesquisa, nós realizamos o estudo etnofarmacológico de campo, em que observamos o uso de dez espécies vegetais, empregadas pelos moradores como repelentes, principalmente por meio de banhos e “fumacês” de preparados com cascas vegetais. Carapa guianensis, a andiroba, foi a espécie mais citada por eles para este fim, além de Diospyros guianensis, Aspidosperma nitidum e outras plantas amazônicas.

 

Neste contexto, coletamos amostras dos diversos órgãos vegetais de sete destas espécies para avaliação fitoquímica e ensaios biológicos em larvas, pupas e mosquitos adultos de Aedes aegypti no Laboratório de Farmacognosia da UnB. Extratos brutos obtidos de seis espécies apresentaram significativa atividade larvicida ou pupicida. Vale ressaltar que o extrato de andiroba foi capaz de matar as larvas do mosquito durante 10 dias consecutivos.

 

Os estudos fitoquímicos resultaram no isolamento e identificação de dez compostos. Seis dos quais apresentaram excelente atividade inseticida, com destaque para a aricina, belutina, ácido betulínico, ácido ursólico e ácido oleanólico. A aricina é um alcaloide, e ainda não havia relatos sobre sua atividade biológica. A atividade pupicida destes compostos também era desconhecida.

 

Portanto, esta abordagem de bioprospecção etnodirigida originou produtos naturais promissores para controle do Ae. aegypti. Essa parceria de conhecimento entre a comunidade científica e os habitantes locais da Amazônia apresenta uma oportunidade ecologicamente correta para abordar importantes preocupações de saúde pública. Ao mesmo tempo, essa estratégia protege a floresta tropical e os direitos das comunidades tradicionais atualmente ameaçadas, promovendo oportunidades econômicas locais e inclusão social.

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