OPINIÃO

Daphne Rattner é médica epidemiologista, pesquisadora colaboradora das pós-graduações em Saúde Coletiva da Universidade de Brasília. Atualmente na presidência da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento - ReHuNa e integrante da diretoria da International MotherBaby Childbirth Organization – IMBCO

Daphne Rattner

 

Como abordar em homenagem essa data, de colegas que assistem a tantas crianças vindo à luz? Como fazer justiça a profissionais que, acompanhando uma gestação, cuidam de dois (ou mais?) seres humanos? Que, entre suas responsabilidades, carregam a de preservar os frutos do processo de continuidade de nossa espécie neste planeta?

 

São tantos aspectos envolvidos nesse cuidado... Qualquer gestação está envolta em tantas complexidades....

 

Ainda bem que é possível partilhar essa responsabilidade com toda uma equipe de saúde, em que se pode dividir as atribuições e multiplicar as possibilidades de bons resultados: a competência das enfermeiras obstétricas e obstetrizes no acompanhamento das gestações e dos partos de risco habitual já foi evidenciada pela Ciência: parturientes são submetidas a menos intervenções, com resultados semelhantes, e obstetras ficam na retaguarda, para o caso de ocorrerem complicações – assim como cuidam das gestações com maior risco - é nessas horas que contribuem de forma indispensável para salvar vidas!; o suporte físico e emocional propiciado pelas doulas contribui para reduzir o estresse durante o trabalho de parto e parto, assim como a sensação de dor e a solicitação de analgesia, e reduz-se ainda o tempo do trabalho de parto e do parto, assim como as cesáreas; outros profissionais podem contribuir na medida das necessidades, como psicólogos, assistentes sociais e fisioterapeutas. Esse é o trabalho colaborativo, tão recomendado nas publicações da Organização Mundial de Saúde. Que, aliás, desde 2016, introduziu o conceito de que a vivência da gestação, do parto e do puerpério (e do recém-nascido) deve ser de uma experiência positiva (publicações de 2016, 2018 e 2022 respectivamente).

 

Considero essa perspectiva revolucionária: como nós profissionais podemos organizar nosso cuidado para tornar toda essa vivência positiva? Para que a memória desse processo não seja traumática, por exemplo, de violências vividas?

 

Penny Simkin, educadora perinatal, estudiosa de doulas e fundadora da organização Doulas of North America, falecida em 11 de abril de 2024 (ontem, RIP), em uma de suas pesquisas, pediu que mulheres lhe relatassem sobre sua experiência de parto. Passados entre quinze e vinte anos desse parto, pediu às mulheres esse mesmo relato – e elas contaram suas histórias de parto com uma riqueza de detalhes, como se este tivesse ocorrido no dia anterior! Mesmo mães de muitos filhos conseguiam relatar os pormenores de seu parto e da assistência recebida. A partir desse fato, ela concluiu que a vivência do parto é muito marcante, que gera uma memória que acompanha as mulheres ao longo de toda a sua vida.

Muitos obstetras já se confrontaram com esse desafio e o aceitaram: como construir uma vivência positiva de parto, num clima colaborativo com a equipe, em relações horizontais, para que a parturiente leve para sua vida uma memória que possa acalentar com alegria? E, felizmente, já cada vez mais mulheres, assistidas nesse modelo de atenção, contam de forma emocionante seus relatos.

 

Mas é preciso que essa possibilidade chegue a todas as mulheres e pessoas que gestam – e o cenário da assistência obstétrica em nosso país é entristecedor: há um excesso de intervenções, principalmente de cirurgias cesarianas, em lugar de favorecer o protagonismo de parturiente num parto para o qual trazem toda uma competência milenar; esse excesso de intervenções fez com que a mortalidade materna se estabilizasse num nível relativamente elevado e impactou também os resultados perinatais; há desrespeito a direitos, como o de acompanhante de livre escolha e ao longo de todo o processo de parturição; e muitas das práticas de assistência ainda adotadas em muitos serviços de saúde são obsoletas e não legitimadas pelas mais atualizadas evidências científicas.

 

E é esse o desafio atual da Obstetrícia em nosso país: como reduzir intervenções desnecessárias, melhorar a qualidade da assistência, basear os cuidados em evidências científicas, facilitar o protagonismo de quem está parindo, facultando-lhe participação nas decisões que dizem respeito a seu corpo e ao de seu concepto, adotar o trabalho colaborativo e, com tudo isso, melhorar os indicadores de morbimortalidade materna e neonatal e propiciar ao binômio uma experiência positiva do processo vivido e do cuidado recebido?

 

A Iniciativa Internacional para Partos e Nascimentos (International Childbirth Initiative), proposta pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia – FIGO em parceria com a International MotherBaby Childbirth Organization – IMBCO, traz 12 passos para Cuidados Maternos MãeBebê-Família Respeitosos e Seguros já traduzidos para vários idiomas, incluindo o português. Adotar esses passos no cotidiano de nossa assistência e de nossos serviços talvez nos mostre o caminho.

 

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