OPINIÃO

Vanessa Vieira é jornalista na Secretaria de Comunicação da Universidade de Brasília e graduada nesta instituição. É filha, neta, esposa e mãe da Heloísa, hoje com quatro anos.

Vanessa Vieira

 

Se isto não for amor, o oceano secou
Não há estrelas no céu
As andorinhas não voam mais
Se isto não for amor, o céu não é real
Tudo perde o valor, se isto não for amor.”*

 

Uma jornada rumo ao desconhecido, mas com algumas certezas: abnegação e altruísmo são requisitos para quem escolhe essa missão, que envolve dedicação, renúncia e entrega voluntária. Não há recompensas financeiras, tampouco valorização profissional. Quem, espontaneamente, escolhe seguir essa rota?


Preciso reconhecer, para ser honesta, que há outros níveis de recompensa. Mas hoje venho apenas contar uma história, de uma mulher que escolheu trilhar essa jornada. Uma mulher comum, mas também tão extraordinária como qualquer outra mãe.


Dalva Maria nasceu em 1943, em família de poucos recursos, mineira de Arapuá. O significado de seu primeiro nome, brilho do amanhecer, condizia com sua beleza. Na juventude, mudou-se para Carmo do Paranaíba, onde conheceu Geraldo, rapaz bem-apessoado e trabalhador. Não demorou muito para se casarem, ele se estabeleceu como motorista de caminhão e ela como dona de casa.


No primeiro ano de matrimônio, a jovem recebeu em seu corpo, e no coração, a missão que a acompanharia por toda vida: gestou o primeiro de sete filhos – dois homens, quatro mulheres, e uma perda gestacional. Com a família crescendo, rumaram para Brasília, em busca de melhores condições de vida.


A dinâmicas da cidade pequena deram lugar às labutas da vida urbana. Entre cuidados com as crianças e serviços domésticos infindáveis, precisou encontrar tempo para trabalhar com costura. O aluguel do pequeno apartamento no Núcleo Bandeirante e os custos da vida na cidade exigiam mais que o salário do esposo, agora motorista de ônibus na capital.


Às complexidades daquele momento somaram-se alegrias e angústias, como a conquista da casa própria e a chegada dos netos, alguns deles que passaram a depender de seus cuidados, ocupar cômodos da casa e partilhar do alimento na mesa.


O trabalho daquela mãe-avó era infindável e o amor também. Não fosse isso, como teria lidado com tantas dificuldades? E observando bem, todas elas se tornaram pequenas quando se viu em uma luta-sem-fim para resgatar o filho das drogas. Padeceu também quando perdeu uma das filhas para o câncer. E dessa dor já não pôde mais se recuperar.


Dalva Maria virou mesmo estrela em 2016, mas aqui na terra permanece viva sua memória. Nos retratos guardados, aprecio suas habilidosas mãos banhando meu corpinho nos primeiros dias de vida – cuidado esse desfrutado por todos os filhos e muitos netos. Ainda posso sentir o aroma do chá de capim-santo que com frequência ela fazia nos fins de tarde e o sabor das sopas que aqueciam nossas noites. Ouço o barulho de sua máquina de costura funcionando logo após as louças do almoço estarem em ordem. Como Dalva era trabalhadora, como era forte.


Ouço sua voz ríspida clamando por menos barulho aos netos que corriam pela casa sem dar sossego aos seus ouvidos e mente já cansados pela idade.  Vejo seu semblante abatido pelas preocupações. Me lembro de suas lágrimas preocupada com o filho que, entorpecido, passava dias sem aparecer em casa. Me lembro de tantas outras dores. Como Dalva era frágil, como era vulnerável.


Antes de virar estrela, foi cuidada por todos de quem tanto cuidou. Na única madrugada em que fui a responsável por trocar suas fraldas e banhá-la ao amanhecer, pude experimentar o mesmo amor que ela despendeu ao cuidar de mim recém-nascida. Queria ter feito tanto mais por você, minha querida vovó.


Fui sua primeira descendente a cursar ensino superior. E um dia, a sós, enquanto assistia ao jornal, ela me disse: minha filha, como queria ter cursado uma profissão. Eu seria como você, jornalista. A você, vovó, dedico minhas palavras, meu amor minha gratidão. A vocês mamães, dedico minha admiração.


Com o exemplo sempre presente de Dalva Maria, presto homenagem a todas as mulheres que se doam na missão diária de amar outro ser humano. São mulheres de diferentes idades, condição financeira, estado de saúde física ou psicológica. Mulheres que escolherem ser mãe ou simplesmente tiveram que abraçar essa responsabilidade. Mães biológicas, mães adotivas, mães-viúvas, tias-mães, irmãs-mães. Mães comuns, mães extraordinárias. A vocês, toda a nossa gratidão e admiração.

 

* Tradução da música If that isn’t love, de autoria de Dottie Ramboo em 1969, regravada por Elvis Presley em 1974.

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.