OPINIÃO

 

Dione Oliveira Moura é professora e pesquisadora, atualmente diretora da Faculdade de Comunicação da UnB. Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás (1986), mestrado em Comunicação pela Universidade de Brasília (1990) e doutorado em Ciências da Informação pela Universidade de Brasília (2001). 

 

 

Marlise Viegas Brenol é professora de Comunicação Organizacional na Universidade Federal de Brasília (UnB). Pós-doutoranda no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD).

 

 

Liziane Soares Guazina é professora de graduação e pós-graduação da Faculdade de Comunicação da UnB. Doutora em Comunicação pela UnB e líder dos Grupos de Pesquisa Observatório do Populismo do Século XXI e Cultura, Mídia e Política, ambos certificados pelo CNPq.

 

 

 

Dione Oliveira Moura, Marlise Viegas Brenol e Liziane Soares Guazina

 

Não fosse suficiente a enchente que assola o Rio Grande do Sul (RS), também surge outra enxurrada: oceanos de desinformações que visam desestabilizar forças políticas e institucionais, provocar caos desmesurado e aumentar a dor. Contudo, nada surge da noite para o dia. Há fatores historicamente construídos para que a desinformação trafegue em indevida liberdade.

 

Vamos lá, no caso da inundação no RS, partimos de uma agenda histórica de descuido ambiental. Para o Brasil tornar-se o “celeiro do mundo”, devastou biomas, ao custo de uma estrutura de vigilância e controle ambiental crescentemente desmantelada por atores sociais que consideram que ecologia é balela, e de uma economia que gera hábitos de consumismo desenfreado, degradação ambiental, enorme geração de lixo, assoreamento de rios, poluição e devastação de biomas.

 

E tem mais: em nosso país, há anos, inexiste solidez das normas de comunicação de risco que deveriam ser aplicadas do micro (bairro, município) ao macro (áreas metropolitanas, estado, regiões). Quais as áreas de risco? Quais populações podem ser atingidas? Quando e por quais mecanismos serão alertadas? Quais as rotas de evacuação? Escolas, igrejas, coletivos, Defesa Civil, quem atuará nos abrigos? Como proteger os mais vulneráveis? São perguntas que planos de comunicação de risco e de evacuação preventiva conseguem responder, desde que façamos as perguntas certas, na hora certa – antes que o risco (possibilidade) se materialize em dano (o risco já concretizado).

 

Esse processo é fortalecido diante da desregulamentação das redes sociais e resulta em um pacote letal. Acreditamos, como sociedade, que vai ficar tudo bem enquanto destruímos o planeta. Achamos fofos os documentários de crianças de outros países sendo preparadas para possíveis terremotos, mas aqui no Brasil não precisamos disso… Não? E as crianças desaparecidas na atual inundação no RS? E os idosos, os hospitais, as creches, faculdades, empresas, comunidades inteiras submersas na água lamacenta?

Não somente a inundação, mas todo esse conjunto ceifa vidas. Em síntese, falta prevenção há décadas, e também nos dias anteriores às inundações. Se conseguimos fechar o comércio e escolas quando é feriado, por que não conseguimos fazê-lo antes de uma inundação dessas? Óbvio que conseguimos, desde que haja decisão política. Desde que não deixemos multiplicar o número de desabrigados até que a única saída esteja em orçamentos astronômicos emergenciais. Esse cenário histórico é perfeito para pavimentar a estrada da indevida liberdade de desinformar e proliferar o negacionismo climático.

 

A lógica das plataformas de mídias sociais segue e amplifica o modelo da comunicação do grotesco de que nos falou Muniz Sodré. O grotesco, agora ampliado na internet, estimula os relatos mentirosos e sensacionalistas. Influenciadores digitais e as Big Techs nadam de braçada em plataformas de mídias sociais sem regulação. Desinformam em troca de alcance e engajamento, a atual moeda digital. Como consequência, levam veículos de imprensa – que de forma irresponsável publicam sem a devida verificação – e muitos políticos – que assumem mentiras em discursos e postagens amplificadoras do círculo vicioso. É preciso prudência, em especial, na cobertura de catástrofes. Antes de pegar uma rodovia, você não passa no posto para calibragem, água e óleo para viajar com segurança? Pois então, antes de acelerar fundo e repassar uma desinformação, cheque nas agências de verificação e sites jornalísticos como a Agência Lupa, a Aos Fatos e o Estadão Verifica.

 

A tragédia climática no RS ceifou vidas, gerou mais de 200 mil refugiados climáticos e apontou o dedo para a falta de planejamento no combate a tragédias climáticas previstas pela ciência. Enquanto as figuras públicas, em especial, deputados e senadores brasileiros, deputados estaduais/distritais, vereadores, prefeitos e governadores estiverem mais preocupados em criar narrativas para suas bases eleitorais nas redes sociais do que em gerenciar as crises, serão corresponsáveis por essa e por outras tragédias que possam vir. E se a pauta da biodiversidade, conservação e economia sustentável não se tornar prioridade, catástrofes se multiplicarão. Se a dor das vítimas das enchentes no RS não doer nos três poderes (no nível Municipal, Estadual e Federal), a desesperança reinará em um país em cujas faces não mais distinguiremos lama de lágrimas. Ainda podemos fazer algo. Façamos.

 

Publicado originalmente, em 12 de maio, no site Correio Braziliense.

*Crédito da ilustração: Maure/Correio Braziliense.

 

 

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