OPINIÃO

Paulo José Cunha é professor da UnB, escritor e jornalista.

Paulo José Cunha

 

Nas discussões sobre liberdade de expressão, fake news, intromissão de Elon Musk nos assuntos restritos à justiça brasileira, controle de conteúdo das redes e submissão das plataformas à legislação nacional há um componente que tem ficado de fora, embora seja de importância crucial para um bom encaminhamento da questão. Esse componente é o tempo.

 

Desde o advento da Internet e seus subprodutos, como as redes sociais, mecanismos de neutralização da informação inverídica ou maliciosa, tais como o direito de resposta previsto na legislação que regula o uso dos meios de comunicação no Brasil e em diversas outras partes do mundo, perderam praticamente todo o sentido e mesmo a reduzida eficácia que ainda teriam. O direito de resposta virou mesmo foi um trambolho jurássico, diante da vertiginosa velocidade com que a informação trafega no hiperespaço. Nós, da área da Comunicação, que lidamos diariamente com o assunto, bem conhecemos as limitações que envolvem as tentativas de correção, com base nos mecanismos atuais, de uma informação errada ou de conteúdo malicioso. Estudos diversos realizados nos mais conceituados institutos de pesquisa do mundo são unânimes na constatação de que o impacto e a devastação causados por uma informação errada ou maliciosa difundida por meio das redes sociais da internet é exponencialmente maior do que seu desmentido. No mais das vezes, sem exagero, o desmentido passa literalmente batido. E a pós-verdade, com seu enorme poder de fixação no imaginário, termina se impondo e se convertendo em verdade absoluta. Ainda outro dia ouvi de uma senhora, vizinha aqui de casa, uma afirmação que já devia estar morando nos escaninhos do ridículo: “Não se deve tomar essas vacinas contra dengue ou Covid. Elas fazem um mal terrível. Mas onde a senhora leu ou ouviu isso? Recebi pelo whatsapp de fonte segura”, garantiu. E ponto final. Porque, depois que senta praça, não há verdade que neutralize a pós-verdade.

 

Costumo provocar meus alunos perguntando: - Qual foi a última vez que vocês receberam o desmentido a uma fake news? A resposta invariavelmente tem sido: - Nunca. E a razão é simples. Uma informação de conteúdo impactante, como costumam ser as fake news, tem um poder avassalador de atrair a atenção e de convencer o destinatário. Já o desmentido é invariavelmente pouco interessante e convincente, e na maioria absoluta das vezes é simplesmente inócuo porque destituído de atrativos que incentivem o destinatário a incorporar seu conteúdo e muito menos a distribuí-lo à sua rede de contatos. Por isso os desmentidos não circulam. A par disso há um obstáculo até aqui intransponível para dar agilidade e um mínimo de eficácia à correção da informação infundada ou propositadamente mentirosa: o tempo. Se o desmentido já é fraco e por vezes ineficaz, quando chega com atraso, menos eficaz se torna.

 

Sim, é merecedora de elogios a iniciativa da justiça eleitoral, ministro Alexandre de Moraes à frente, de disciplinar o uso da informação pelas redes sociais, sobretudo em períodos eleitorais, para conter abusos. Mas todo o esforço que vem sendo feito no enfrentamento da questão esbarra no obstáculo chamado tempo. Porque o arcabouço jurídico, com seus rituais de funcionamento, seus pareceres, recursos, contraditas, arrazoados etc funciona fundamentalmente de forma analógica. Até porque é movido por pessoas que avaliam processos, dão pareceres, elaboram votos etc. E as pessoas são analógicas, é bom deixar claro. E por isso, são lentas. Já as redes sociais e as plataformas operam no terreno da informação cibernética, à velocidade da luz. Esse confronto gera necessariamente um fosso na operosidade e eficácia da justiça que, como diz o bordão, quando atrasa não é mais justiça e por vezes se torna injustiça.

 

Daí porque o grande desafio do momento é conseguir algum meio capaz de permitir que os ritos processuais sejam mais rápidos para tentar, já nem digo se emparelhar, mas pelo menos se aproximar do ritmo da informação que trafega nas redes. É um desafio prodigioso, porque os avanços no desenvolvimento das tecnologias cibernéticas têm ocorrido em velocidade assustadora. Até outro dia a expressão “inteligência artificial” nem chegava a fazer sentido para grande parcela da população. Hoje, ela se popularizou tanto a ponto de se tornar componente do cotidiano de muita gente. Gente que opera um aplicativo como um Chaptgpt desses com a desenvoltura com que descasca uma mexerica. A disponibilização massiva das ferramentas para o uso da IA para os mais diversos usos praticamente banalizou seu emprego.

 

Os tempos atuais são de espanto e apreensão, justa apreensão. Até porque, até agora, não se viu, não se leu nem se ouviu uma iniciativa sequer capaz de dar mais agilidade aos procedimentos processuais da justiça brasileira em relação ao tema. Sequer um rito sumário para apreciação de denúncias de fake news durante as eleições foi objeto de debate nas cortes eleitorais ou no Congresso Nacional. Este último, aliás, vem empurrando o assunto literalmente com a barriga, com mais retrocessos que avanços. E até aqui não entendeu a importância de enfrentar a questão de peito aberto e com disposição de buscar um bom encaminhamento, inclusive levando em conta as legislações sobre o tema já adotadas em outros países.

 

Em relação aos crimes cometidos pelas redes sociais, o tempo não é mais o senhor da razão. Tornou-se, isto sim, um enorme obstáculo à razão e à aplicação da justiça.

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