OPINIÃO

Reuber Albuquerque Brandão é professor de Manejo de Fauna e Áreas Protegidas do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade e Brasília.

Reuber Brandão

 

Quando o primeiro cogumelo atômico se ergueu sobre o deserto do Novo México, foi necessário explicar aos grandes políticos globais que o mundo já não era o mesmo. Aquele evento marcante e único na história da humanidade mostrou o quanto somos fantásticos e ao mesmo tempo ridiculamente irrelevantes. Libertando a enorme energia do minúsculo átomo, reduzimos nossa pretensa grandiosidade ao medo da guerra definitiva. Era hora dos líderes globais entenderem sua seu papel no equilíbrio entre o poder das estrelas e a miséria dos desejos humanos. Sobre sua responsabilidade na manutenção da existência humana sobre o planeta, ao menos da forma como a vida humana era entendida até então. A despeito de alguns reatores explodindo e de eventuais intimidações beligerantes, chegamos até aqui. Seja por sorte ou por absoluto cansaço, chegamos até aqui.

 

Hoje, praticamente 79 anos depois, é importante que os líderes globais entendam novamente que o planeta, mais uma vez, não é o mesmo. Mudou profundamente. Crises climáticas não possuem o apelo de um gigantesco cogumelo calcinante gerado pelo inédito rompimento antropogênico do átomo. Chuvas torrenciais, ressacas brutais e secas perniciosas são realmente parte da história humana, como costumam repetir os mais cínicos, os desinformados ou os deformados. No entanto, é possível negociar com líderes de países concorrentes, apelar para o lado humano do seu opositor, pela sua empatia, cooptação ou suborno. No entanto, a atmosfera não está aberta para negociação. É impossível subornar um tornado ou comovermos uma seca severa. A despeito do que pretende o abismo místico de uns, destruir estátuas de grupos místicos concorrentes não acalmará as águas.

 

O fato é que nossos líderes não perceberam (ou fingem não perceberem) que o mundo já não é o mesmo. Que a grande mudança já aconteceu. Nosso sistema de produção viaja com todas as máquinas à frente, tal como um gigantesco navio cruzando o oceano. No entanto, a história nos lembra que grandes navios a toda velocidade em oceanos imprevisíveis são suscetíveis a tragédias. No caso histórico, a imensa inércia transferida à colossal nau de ferro pelos massivos motores não permitiu fugir da trajetória de colisão. Simplesmente não houve tempo suficiente decorrido entre o avistamento do perigo e a implementação das mudanças necessárias para alterar a rota.

 

Nosso caso, no entanto, é ainda mais trágico. A economia global é um enorme maquinário de imensa energia. Mas um gigantesco iceberg está bem adiante. O impacto é claro, é evidente e é palpável para a maioria dos cientistas, dos jovens e dos atentos. Estamos todos avisando sobre o choque iminente. Mas os da cabine de comando estão em gala nos jantares exclusivos, discutindo a qualidade do combustível dos motores. Quando alguém de fora grita com mais intensidade, até simulam uma redução da rotação dos motores, fazem uma graça. Desgraçadamente, há aqueles que dizem que icebergs são inofensivos, que sempre existiram, que os cientistas mentem sobre os icebergs, que as divindades estão no comando. E todo maquinário continua acelerado à frente. Haverá botes salva-vidas para todos? Caso negativo, quem ficará de fora dos botes?

Não tenho nenhuma expectativa positiva diante das crises ambientais que nos cercam. Estou certo de que a humanidade irá sugar até a última gota de óleo do leito marinho e das bacias petrolíferas. Abriremos crateras no solo e nas montanhas até que o último pedregulho de minério seja explorado. Cortaremos as florestas e as substituiremos por plantios de madeira. Secaremos os aquíferos e carregaremos a atmosfera de partículas tóxicas ou, na melhor das hipóteses, com gases de efeito estufa. Nossos alimentos continuarão cobertos por densa pátina de derivados petroquímicos, usados para eliminarmos nossas pragas. Todo centímetro quadrado de território será vorazmente capturado.

 

Mudanças na geração de energia, na geração de alimentos, no transporte, na obtenção de minérios, na produção de bens de consumo, na redução de resíduos, na responsabilidade com externalidades, na responsabilidade com territórios, animais, plantas e recursos naturais, para citar alguns desafios, levam tempo. Não sei se o microplástico alojado profundamente em nossos corpos nos permitirá esse tempo. Não sei se aqueles que comandam esse maquinário permitirão essas mudanças.

 

O fato é que o mundo mudou. A realidade mundial é outra. Não iremos construir um futuro se no presente apenas replicamos o passado. Me parece que, ao invés de perceberem a necessidade de responsabilidade sobre uma nova realidade global, a estratégia do poder é banalizar o sofrimento humano, as tragédias ambientais, os extremos climáticos, as pandemias. É glamourizar a precarização das relações humanas, do empobrecimento intelectual e da qualidade de vida. É prender as pessoas em uma caótica armadilha virtual de mentiras, prazeres efêmeros e alienação, enquanto, atrás de sua simulada tranquilidade, controle e equilíbrio, buscam calar justamente aqueles que precisam ser ouvidos. Quem sabe, assim, a sociedade não perceberá que algo muito grave está acontecendo? Ou quem sabe, os líderes globais já não sabem, definitivamente, o que estão fazendo?

 

O Dia Mundial do Meio Ambiente, data criada pela ONU em 1972, visa estimular mudanças de atitudes globalmente em nome do meio ambiente. De onde virão as mudanças?


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