OPINIÃO

Enilde Leite de Jesus Faulstich é doutora Honoris Causa da Universidade de Brasília. Doutora em Filologia e Língua Portuguesa (USP). Desenvolveu estágio de pós-doutorado (Pós-doc) em Linguística-Terminologia e Políticas Linguísticas na Université Laval de Québec, Canadá.

Enilde Leite de Jesus Faulstich

 

O Dia da Língua Portuguesa é comemorado no dia 10 de junho em correlação com a data de nascimento de Luís Vaz de Camões, no ano de 1524. Autor do maior poema em gênero épico – Os Lusíadas – Camões mistura estilos quando, na obra, descreve, narra e canta “o movimento, nascente donde nasce o rio da história”.

 

Indiscutível é o poder de criação de Os Lusíadas – obra escrita no século XV. A linguagem nos leva a viajar no tempo e no espaço muitos séculos depois. Nessa comemoração de aniversários de Camões e da Língua Portuguesa – vamos traçar breve paralelo de linguagens – a da ortografia e a do vocabulário, que, desde épocas remotas, encontram-se na fala do português do Brasil.

 

A extrema criatividade de linguagem de Os Lusíadas dá a total legitimidade ao autor vista pelo ritmo descritivo que imprime à obra a sensação de nos fazer “singrar em batéis por mares nunca dantes navegados”. Essa viagem mental não tem freios, mas tem substrato que aproxima o passado do presente – a Língua Portuguesa. Desse modo, a criatividade é o meio hábil que se situa na esteira do pensamento como um movimento nato do passado ao presente e deste para aquele, com a habilidade de quem ora avança, ora recua. Desse modo, ou o pensamento segue regras de um passado pela arte da escrita, ou, no tempo moderno, entende regras do passado como a arte de viajar no tempo e no espaço, segundo o modo de dizer que a história traz à tona.

 

Para ajustar o modelo de outrora à língua que falamos hoje, recolhemos, a título de ilustração, alguns exemplos camonianos, tanto de gramática, quanto de léxico em que criatividade segue um paradigma lógico. Como veremos, não precisamos, necessariamente, de regredir até o século XV para sermos criativos; as línguas expostas à comunicação do dia a dia estão prontas para serem recriadas e para se manterem fiéis aos fundamentos pelos quais foram criadas.

 

Assim, veremos que a ortografia de Luís de Camões, em Os Lusíadas, no paralelo a seguir, mantém a legitimidade em muitas formas ditas e ouvidas na atualidade; os exemplos seguem na ordem: em primeiro lugar, registramos a escrita de Camões e, em seguida, o português de hoje: imigo:inimigo; estâmago:estômago; geolhos e giolho:joelhos; fermosa :formosa; dous:dois; despois:depois; nacer:nascer; esprimentado:experimentado; cousas:coisas; pranta:planta; alifante:elefante; ingrês:inglês; sembrante:semblante; esprito e sprito:espírito; antão:então; antiguo:antigo; aperceber:perceber; escuma:espuma; sojugar e sojigar:subjugar; férvido:fervido; fructo e fruito:fruto; abominábil:abominável; alevantar:levantar; alimpar:limpar; crecer:crescer; derribar:derrubar; alimpar:limpar; cangrejo:caranguejo; crecer:crescer; derribar:derrubar; pubricar:publicar.

 

No léxico, no vocabulário de Os Lusíadas, igualmente encontramos formas como as usadas hoje. Servem de exemplo: abastança:abundância e riqueza; achegar:aproximar e unir; agasalhar:receber ou dar bom acolhimento; asinha:depressa; bafo: espírito que designa o Espírito Santo; bastante:suficiente e apropriado; cógnito:conhecido; embaixada:mensagem oficial enviada por intermédio de um emissário ou embaixador; empecer:tropeçar e fazer obstáculo; enojar:aborrecer; nojo:desgosto, e tristeza; fantástico:irreal e fingido; trabuco:arma para arremessar pedras.

 

No mais, cabe-nos convidar falantes da Língua Portuguesa a comemorar o dia da Língua, falada em muitos outros países do mundo, seja como língua oficial e primeira, seja como segunda língua, no convívio com as línguas locais.

 

Ressaltamos, finalmente, que, para compor o breve exemplário original aqui exposto, consultamos a obra Os Lusíadas – Luís de Camões, em edição organizada por António José Saraiva – professor da Universidade de Lisboa, Figueirinhas/Porto, com apresentação de 18 de dezembro de 1974.

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