OPINIÃO

Bernardo Romão de Lima é professor do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília. É mestre e doutor em nutrição humana pelo Programa de Pós-Graduação em Nutrição da Universidade.

Bernardo Romão

 

O chocolate tem papel inegável nas relações da nossa sociedade. Para presentear uma pessoa amada, damos chocolate. Para afogarmos nossas tristezas? Providenciamos logo uma barra de chocolate. E caso não se saiba o que uma pessoa gosta: provavelmente ela gosta de chocolate.

 

De fato, a mistura de sementes de cacau fermentadas, torradas e moídas, acrescidas de gordura e, às vezes, açúcar e leite é parte da preferência nacional, entretanto, tal hábito pode se ver cada vez mais inacessível, dados os desafios que permeiam o cultivo e comercialização do cacau.

 

Historicamente, o cultivo do cacau, matéria-prima de todos os tipos de chocolate, demanda intenso desmatamento de florestas nativas, dizimando espécies locais e prejudicando o ecossistema. Ademais, nos últimos anos, as grandes produtoras de chocolate estiveram associadas a escândalos envolvendo desrespeito aos direitos humanos e trabalhadores em condições análogas à escravidão.

 

Nesse sentido, esforços por parte de produtores, exportadores e compradores de chocolate vêm sendo empregados de forma a contornar os desafios acerca da sustentabilidade e ética do cacau, como, por exemplo, a implementação de selos de rastreabilidade, que garantem que o cacau foi produzido em condições saudáveis dos pontos de vista econômico, humano e da natureza.

 

Entretanto, tais mudanças, apesar de desejáveis e éticas, dentro do atual contexto de produção de alimentos, implicam custos considerados “desnecessários” e que por muitas vezes são repassados ao consumidor. O governo, por sua vez, não se preocupa em alívios econômicos para facilitar o consumo, com constantes reajustes de impostos para a categoria.

 

Dessa forma, uma das maneiras que a indústria tem de manter o consumo desse produto em classes econômicas mais desfavorecidas é a utilização de ingredientes mais baratos, como gorduras vegetais. Estes, por sua vez, descaracterizam o que conhecemos por chocolate, que passa então a se chamar de “cobertura sabor chocolate”.

 

O impacto disso já é visível em diversas camadas da sociedade. Nas mais favorecidas, o discurso de que somente marca “x” ou “y” tem bons chocolates é prevalente. Nas faixas etárias mais experientes, o comentário é de que “o chocolate já não é mais a mesma coisa”. Enquanto isso, o sabor de gordura hidrogenada que antes era restrito a “chocolates” baratos em formatos divertidos, hoje ocupa as prateleiras com o nome de opções anteriormente consagradas.

 

A problemática aprofunda-se ao pensarmos na faixa demográfica cujo apelo de marketing do chocolate é maior: as crianças. Em tal momento da vida, são construídas as memórias afetivas associadas à alimentação. O chocolate da Páscoa, do aniversário do colega e das festividades de família deixa registrada a associação de tal alimento com alegria.

 

Nesse sentido, estando disponíveis formulações majoritariamente acrescidas de gorduras vegetais, açúcares e aditivos, o paladar infantil ainda em construção aproxima-se cada vez mais do produto ultraprocessado enquanto distancia-se do ético, produzido localmente.

 

Entretanto, o consumo de alimentos perpassa as barreiras do individual, e acessibilidade dos alimentos também constitui um dos pilares da alimentação saudável, isto é, o chocolate de boa qualidade precisa estar disponível.

 

Dessa forma, com o objetivo de garantir o acesso a um alimento tão presente na alimentação humana, o esforço precisa ser em várias esferas, sociedade, governo e indústria trabalhando juntas. O papel do profissional de saúde e acadêmico é ultrapassar as barreiras da universidade e munir a população acerca dos produtos os quais estão disponíveis.

 

O Dia Mundial do Chocolate é importante e deve ser comemorado. Mas que juntamente dele consigamos abordar a reflexão: o que estamos consumindo hoje é de fato chocolate?

 

 

 

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