OPINIÃO

Eduardo Oliveira Soares é doutor em Arquitetura e Urbanismo e servidor da Universidade de Brasília. https://linktr.ee/eduares

Eduardo Oliveira Soares

 

O ano de 1962 foi marcado pela inauguração tanto da Universidade de Brasília quanto do Campus Universitário Darcy Ribeiro. Nessas mais de seis décadas, a cidade e o campus se consolidaram ao mesmo tempo em que iam se transformando. Em 1987, Brasília foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Patrimônio Cultural Mundial. O Campus Darcy integra a área que recebeu essa distinção. Em 2004, Brasília recebeu outro reconhecimento, o de Cidade Criativa do Design. Com certeza, a UnB e o campus colaboraram para essa escolha.


O Campus Darcy Ribeiro abriga cerca de cem edificações distribuídas por aproximadamente 400 hectares. Gerenciar esse grande território é – e sempre foi – um grande desafio.

Por isso, foi bem-vinda a iniciativa da implantação de um novo Plano Diretor. O Plano Diretor do Campus Darcy Ribeiro (CDR) foi elaborado em diferentes etapas, ao longo de mais de dois anos, por equipes multidisciplinares que conseguiram sintetizar anseios e propor estratégias para que a UnB seja protagonista no desenvolvimento sustentável deste vasto território inserido no coração de Brasília.

O campus é um local de estudo, pesquisa, extensão e trabalho. Mas, também, de memórias e afetos. Um dos princípios do plano é a “associação da qualidade de vida ao meio ambiente do campus e seu entorno como um lugar ainda melhor para viver, conviver e ser”. É importante ressaltar que o campus Darcy também deve ser bem planejado, mantido e preservado enquanto patrimônio cultural.

O Plano Diretor aprovado pelo Conselho de Administração (CAD), em 18 de abril de 2024, vem se somar a uma série de documentos elaborados com o objetivo de propor e aprimorar o planejamento físico, o desenho urbano e a gestão do território do campus. Ao longo das décadas, planos e propostas realizados pelas equipes técnicas e acadêmicas da Universidade foram redigidos em diferentes contextos, com variada nomenclatura e diversas formatações e modos de validação institucional. Mas, destaca-se que, antes do atual, outros planos com chancela institucional já haviam sido elaborados.

Por parte de quem está nos bastidores do planejamento físico na UnB, há um esforço aparentemente incansável – mas na verdade bastante exaustivo e, muitas vezes, supreendentemente desanimador – em criar e aprimorar características que resultem na melhoria da qualidade de vida da comunidade universitária. Transmutar essas pretensões em princípios, objetivos e diretrizes, como apresentados no Plano Diretor do Campus Darcy Ribeiro, foi um grande desafio. Entre tantos pontos que constam no documento, serão destacados alguns trechos, seguidos de breves comentários:

– “Ordenar a ocupação com base nos valores culturais, ambientais e padrões históricos característicos do Campus, viabilizando o adensamento e a expansão responsável e sensível à Escala Bucólica” (UnB, 2024, p. 21). A característica de campus-parque deve ser realizada preservando as áreas verdes, e não com a implantação de construções que vão requerer a supressão de árvores e da vegetação em geral, impactando a paisagem.

– “Planejar a organização dos espaços evitando cercamentos e obstáculos desnecessários e priorizando a criação de áreas abertas e acolhedoras para a comunidade universitária (...)” (UnB, 2024, p. 35). A fim de qualificar e integrar os espaços, é necessário retirar cercas existentes e não criar novos obstáculos. Assim como no Plano Piloto, uma das principais características do campus é o de possibilitar a livre circulação.

– “Promover a originalidade e a singularidade dos edifícios, evitando a replicação acrítica de projetos já existentes (...)” (UnB, 2024, p. 43). A estratégia de repetição de projetos arquitetônicos em vários campi mostrou-se aquém da histórica relevância arquitetônica das edificações da UnB. Por isso, impacta negativamente a paisagem.

– “Elaborar o Plano de Uso e Ocupação do Solo contendo parametrização urbanística para viabilizar a regularização edilícia plena do CDR junto ao GDF” (UnB, 2024, p. 73). Esses trâmites ainda demandarão significativos esforços por parte da Universidade. Para dar segurança jurídica aos espaços livres e às edificações do campus, é preciso priorizar a finalização desse processo, iniciado há anos.  

– “Estabelecer uma ordem prioritária para obras de restauração para os edifícios e espaços de valor cultural do Campus” (UnB, 2024, p. 73). Considerando que o conjunto edificado já existe há décadas, é necessário priorizar a reabilitação arquitetônica em vez da construção de novas unidades. Percebe-se que há um anseio por executar novas construções quando poderia se colocar em primeiro plano a racionalização, a reorganização e a modernização dos edifícios, da infraestrutura e das instalações existentes.

– “Elevação das faixas de travessia de pedestre nos níveis das calçadas nos pontos de maior fluxo e de acesso ao Campus”. Priorizar o pedestre é algo elementar para o campus que queremos construir.

– “Criar nos edifícios do Campus espaços de amamentação, de descanso, de estudos, de alimentação, entre outros”. Ações como essa vão propiciar mais dignidade para a comunidade universitária.

A presidência da comissão que elaborou o Plano Diretor coube ao professor Benny Schvarsberg – este sim, incansável – que, com maestria e competência, compatibilizou diferentes aspectos, interesses e sensibilidades que orbitam ao redor do processo de planejamento físico. Finda a aprovação do Plano Diretor, o desafio da atualidade e do futuro próximo é implantá-lo. Uma das ações que requer atenção imediata é a constituição de equipes a fim de criar documentos específicos que norteiem questões relacionadas ao patrimônio cultural; à paisagem e ao paisagismo; à mobilidade urbana; à conservação e gestão sustentável de recursos naturais; à infraestrutura de saneamento e energia elétrica etc.  

Na UnB, nas últimas décadas, a missão de planejamento físico cabe ao Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (Ceplan), criado em 1962. Mesmo que recentemente tenha sido incorporado à Secretaria de Infraestrutura (Infra), o Ceplan é uma referência quando se fala em arquitetura, urbanismo e planejamento na Universidade. Porém, as novas intervenções no espaço físico da UnB parecem não estar à altura de um campus que possui um conjunto patrimonial urbano e arquitetônico dos mais significativos do país. Com o novo Plano Diretor, felizmente, é prevista uma “gestão democrática e participativa no Campus”, a começar pela efetiva participação da equipe de arquitetos e engenheiros do Ceplan no processo de planejamento físico, que envolve vários atores da gestão e da comunidade universitária.

Um parênteses para lembrar que o Ceplan foi realocado para outro edifício e que o elegante e histórico SG 10, que o abrigou durante seis décadas, agora sedia o Espaço da Memória (UnBMemo). O local ainda está em fase de estruturação com o intuito de vir a ser um ponto de encontro entre passado e presente, histórias e memórias universitárias. Um modo de acompanhar esse processo de implantação é seguir a conta no Instagram @MemoUnB.

Voltando ao tema planejamento, os debates na cidade sobre o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) reafirmam a importância de uma adequada ferramenta de gestão urbana. Aliás, no decorrer do trâmite na Câmara Legislativa do Distrito Federal, o PPCUB sofreu espantosas adulterações, para horror dos profissionais e demais colaboradores que despenderam cerca de 15 anos de trabalho em sua elaboração.

Felizmente, na UnB, o Plano Diretor do Campus Darcy Ribeiro recém-aprovado tem princípios, objetivos e diretrizes claros, propostos de forma multidisciplinar, e incluindo o diálogo com a comunidade universitária. O desafio dessa gestão e das próximas é implantá-lo, tornando-o um norteador para a prática do planejamento físico e de projetos no campus. Toda a comunidade pode e deve ser fiscal desse processo.

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