Aldo Antonio de Azevedo
Muitos brasileiros conhecem e falam de futebol, mas não lembram que a data comemorativa do Dia Nacional do Futebol é 19 de julho. Esta data foi criada em 1976, pela então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em homenagem ao Sport Club Rio Grande, do Rio Grande do Sul, fundado em 19 de julho de 1900, considerado o clube mais antigo do país. Também, os loucos por futebol não sabem que esse esporte, o football, teve sua origem na Inglaterra, no Século XIX, mas entendem como o futebol se tornou um fenômeno nacional. Sua aculturação e construção identitária, produziram histórias, memórias e um jeito de ser do brasileiro, que ficou conhecido mundialmente.
Tal cenário é o da conquista de 58 (a copa da superação do complexo de vira-lata, criado por Nelson Rodrigues, em alusão à nossa inferioridade voluntária diante das grandes potências mundiais), 62 (a copa de Garrincha, no Chile) e 70 (a copa da pátria de chuteiras, no Regime Militar). Também, vimos em 1963, Os Subterrâneos do Futebol, de João Saldanha, com narrativas e crônicas sobre o jogo, craques geniais, fofocas e histórias que mostram um lado cômico do futebol. Eis aí a essência do país do futebol e da paixão nacional, que tanto falamos.
A partir da década de 90, do século passado, acompanhamos o avanço do liberalismo, da globalização da economia e suas derivações culturais, mercadológicas e científicas, que produziram profundas transformações nas sociedades. As fronteiras entre as nações foram reduzidas pela informatização, como descrito em A Sociedade em Rede, de Manuel Castells. As mudanças tecnológicas e a globalização construíram uma falsa “uniformização” cultural, em contraposição aos nossos valores culturais.
A conquista das copas de 1994 e 2002, pelo Brasil, ocorreram nesse cenário, mas não com o futebol arte, pois muitos analistas entenderam que era uma fase de modernização do jogo, da tática e do apelo econômico, que crescia sem precedentes e fizeram o povo brasileiro entender que a marca do país do futebol não seria mais nossa tábua de salvação ou redenção. Hoje, esse quadro, alimentado por grandes transformações, encobriu a era da arte e da inocência do futebol, embora sua relevância e paixão permaneçam vivas a cada campeonato ou copa.
Atualmente, estamos contemplando uma nova fotografia nacional, com muitos jogadores e treinadores estrangeiros (portugueses e argentinos), o apelo tecnológico dos métodos de análise de dados, que determinam as táticas e as performances. Estamos exportando para a Europa jovens de 17 anos, que constituem uma moeda de troca valiosíssima, em um mundo racista, seletivo, de investidores e apostadores.
Passamos de craques enraizados e brilhantes, como Pelé e Garrincha, nossos ídolos mais verdadeiros, para craques cyborgs. Se tínhamos um jogo de humanos, mediado por humanos em todas as suas emoções, hoje temos um jogo físico, mecânico, posicional, com movimentos gerenciados por uma máquina no campo de jogo. Refiro-me, em especial, à tecnologia europeia do árbitro de vídeo, chamado de VAR, que traça linhas como se fossem vetores quânticos que indicam por centímetros, se o gol, nossa maior emoção, é justo, injusto, válido ou não. Do mesmo modo, o futebol feminino está submetido a essa regra.
Tudo isso seria inimaginável no dia 19 de julho de 1900 ou 1976. Mas, apesar de tudo, por incrível que pareça, o futebol traz em si uma força paralela! Afinal, o Brasil também foi o país do futebol pelo gosto e pela paixão dos brasileiros, por atrair multidões, o que explica sua popularidade incontestável. Assim, seja nas tardes de domingo, nas noites de quarta, quinta e sábado, tem jogo na TV, e ainda é possível fazer uma resenha, jogar uma pelada na rua, na várzea, na praia ou no clube, sem reprimir nossa energia instintiva do grito de gol! Podemos ir ao Estádio para ver futebol masculino e feminino, e até lembrar do Sport Club Rio Grande. Então, todo dia é dia de futebol! Viva 19 de julho!