OPINIÃO

Lys Sobral Cardoso é doutoranda em direitos humanos e cidadania pelo PPGDH/Ceam/UnB, procuradora do trabalho, membra auxiliar do Comitê Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Lys Sobral Cardoso

 

30 de julho é o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. A data foi estabelecida pelas Nações Unidas em 2013 com o objetivo de lembrar à comunidade internacional sobre a necessidade urgente de erradicar essa prática, infelizmente resistente. E lucrativa.

 

Desde esse mesmo ano de 2013, o Brasil publica relatórios oficiais sobre o tráfico de pessoas. Em todos eles, consta a limitação da política nacional na produção segura de dados, uma vez que o sistema do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), responsável pela pauta, é manual, como o é também a coleta dos dados de todos os órgãos públicos envolvidos no combate e na contabilização das informações. Por isso, os relatórios apresentam uma junção do panorama dos órgãos, além de análise qualitativa das informações.

 

O Brasil é, há tempos, signatário dos vários documentos internacionais que proíbem a prática do tráfico de pessoas. Com a promulgação do Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças), no ano de 2004, reforçou-se o compromisso perante a comunidade internacional de adotar medidas pela sua erradicação.

 

Em 2006, publicou-se a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, juntamente com o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP), prevendo diversas medidas, prazos e responsáveis pelo cumprimento. A política nacional foi atualizada duas vezes, em 2008 e em 2018, com a publicação de dois novos Planos Nacionais (o II e o III). Atualmente, elabora-se a quarta versão do plano. O Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conatrap - MJSP) acompanha seu cumprimento.

 

Em 2016, entra em vigor a Lei nº 13.344, que “dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas”. A lei traz a importante diretriz de conjugar medidas de prevenção, de repressão e de atendimento às vítimas. Também introduz o crime de tráfico de pessoas ao Código Penal (artigo 149-A), em termos semelhantes ao disposto no Protocolo de Palermo.

 

E, afinal, em que consiste o tráfico de pessoas? Diz a lei: agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; submetê-la a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal; ou exploração sexual. Termo jurídico que pode ser sintetizado como a compra e venda de pessoas, mediante qualquer tipo de violência, coação, fraude ou abuso, para uma das finalidades listadas.

 

Explora-se a vulnerabilidade de alguém. Vicia-se o seu consentimento. Nos últimos tempos, numa leitura revisora interseccional, tem-se avançado consideravelmente para o reconhecimento dos marcadores de gênero, sexo, raça, cor, origem, nacionalidade e classe socioeconômica no perfil das vítimas, de forma interconectada. Nesse sentido, o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas de 2021 (MJSP) e os dois documentos temáticos sobre o tráfico de pessoas da Unodc, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (2014 e 2019).

 

Outro ponto importante: os responsáveis não são apenas pessoas físicas: pessoas jurídicas, como grandes grupos empresariais, podem também ser responsabilizadas pela prática. Que, registre-se, é extremamente lucrativa.

 

É essencial atentar-se para esses aspectos para que se consiga erradicar o tráfico de pessoas no território brasileiro. Principalmente para fazer valer o compromisso estabelecido na Agenda 2030, da qual o Brasil é parte, que nos dá apenas seis anos para isso.

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