OPINIÃO

Silvia Badim Marques é professora da UnB, coordenadora de Mulheres da Diretoria da Diversidade da UnB de 2016 a 2019 e membra do Nedig/Ceam/UnB. Possui doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo.

Silvia Badim Marques



A Faculdade de Ceilândia da UnB (FCE) está completando dezesseis anos. Fruto do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, do Ministério da Educação (MEC), nossa FCE é hoje uma adolescente, quase adulta. Erigida na parte Sul da maior cidade do Distrito Federal que, paradoxalmente, concentra os maiores índices de desigualdade social do nosso quadradinho. Nossa jornada até aqui não foi fácil. O sonho de levar a Universidade de Brasília para uma comunidade que carregou nas costas a construção da capital do país, e foi relegada a falta de acesso a serviços públicos basilares, como saúde e educação, foi um sonho árduo, e que ainda hoje enfrenta desafios para virar realidade. Ceilândia cresce, mas ainda não alcança a Universidade da forma como gostaríamos. E é imperativo que continuemos avançando, pois já conseguimos bons avanços.

A realidade periférica se impõe sobre a Universidade: também precisamos lutar para afirmar que existe uma UnB para além do Plano Piloto. E isso acontece todos os dias. Começamos nossa luta num Centro de Ensino Médio de Ceilândia, o CEM nº 04, onde, durante os primeiros anos do nosso campus, não tínhamos campus. As aulas eram dadas dentro da escola, os professores se amontoavam numa sala compartilhada, os alunos se misturavam com os alunos do ensino médio, mas foi ali que aprendemos que, para estar em Ceilândia, era preciso entender o que é viver em Ceilândia. Que construir uma Universidade em Ceilândia não é a mesma coisa que construir uma Universidade num espaço privilegiado da sociedade. E, até para termos campus, precisamos ocupar a Reitoria da UnB, vestir camisetas onde lia-se: “sem campus”, organizarmos um movimento que impulsionou a construção que hoje é vista e reconhecida pela comunidade.

O campus cresceu. Contamos hoje com 3 prédios, um lindo horto comunitário, fruto do projeto HEMAC: Horto de Espécies Medicinais, Alimentícias e condimentares da Faculdade de Ceilândia, uma quadra de esportes ao ar livre, um restaurante universitário. Os cursos de Enfermagem, Fisioterapia, Saúde Coletiva, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Farmácia hoje levam 2.504 alunos ativos às salas de aula e atividades de pesquisa e extensão universitárias. Temos também dois programas de pós-graduação stricto sensu: o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação e o Programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologias em Saúde, hoje com 112 alunos, e que já contribuiu para a formação de 391 pesquisadores, entre mestres e doutores.

Contamos, também, com diversos projetos de extensão que hoje, prioritariamente, têm como foco a comunidade de Ceilândia e Sol Nascente, Programas de Educação Tutorial em Saúde – PET Saúde, estágios obrigatórios que buscam a integração entre o serviço e o ensino, a Universidade do Envelhecer (UniSER), diversos grupos de pesquisa e projetos consolidados como o Centro de Referência Sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas (CRR), o Núcleo de Tecnologia Assistiva, Acessibilidade e Inovação (NTAA), o Brasília PICS - Promoção de Saúde e Práticas Integrativas, entre outros.
E desses sonhos construídos nascerão outros, como a construção de um centro de integração saúde-escola, onde nossos alunos e professores poderão ofertar ainda mais serviços de saúde à comunidade, sempre sob a perspectiva de que falar de saúde não é só falar sobre doenças e tratamentos, mas, sim, sobre assistência à saúde aliada à qualidade de vida, bem estar físico, mental e social, prevenção às violências e olhar integrado sobre todos os determinantes sociais em saúde.  

A UnB Ceilândia se afirma como um espaço promotor de saúde, com o desafio de olhar para a comunidade em seu entorno e se perguntar, diariamente, qual o papel da Universidade em uma comunidade que carrega tantas exclusões. Ainda estamos distantes de integrar a UnB Ceilândia ao seu entorno, assim como estamos distantes da UnB Campus Darcy Ribeiro nos olhar como um braço importante dessa grande Universidade, promover o intercâmbio de alunos para nossas atividades, dar mais visibilidade as nossas ações, e destinar mais recursos e infraestrutura para que possamos nos aproximar do centro, bem como dos outros campi. Nessa aproximação, não somos só nós que teremos ganhos, mas a UnB como um todo.

Olhar a partir das periferias é reconhecer a potência que temos onde a realidade se reinventa e tem força disruptiva, onde é possível que as ações de um espaço de ensino, pesquisa e extensão possam reverberar e alcançar pessoas que, quem sabe, consigam tensionar e transformar os locus de concentração de renda e poder, assim como sonhou Darcy Ribeiro. Ceilândia tem força cultural, social, comunitária. Tem força de trabalho que continua a sustentar a capital da República. E o sonho de Darcy está vivo em cada pedaço desse campus e da comunidade ao seu redor. E eu tenho orgulho em fazer parte dessa construção e de ver, que a cada ano que passa, a nossa FCE está mais potente e refeita de novos sonhos e possibilidades.


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