OPINIÃO

Vanessa Chini é arquiteta e urbanista do Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (Ceplan), mestre pela Universidade de Brasília e frequentadora do Eixão, aos domingos, quando ele é do Lazer.

 

Vanessa Chini


Tudo começou em 21 de abril de 1960. Estavam sendo preparadas as comemorações da inauguração da nova capital da República Federativa do Brasil. Certamente os palácios abrigariam as celebrações de pompa e o baile das autoridades governamentais e diplomáticas1. Outro lugar, entretanto, estaria destinado às festividades com os futuros moradores da cidade. Este local deveria ser central e acessível, próximo à primeira superquadra. A participação de todos seria fundamental! Nele, deveriam ser instaladas arquibancadas para avistamento da esquadrilha da fumaça, do desfile de banda de fanfarra e da corrida automobilística. Elegeu-se, assim, o Eixo Rodoviário-Residencial, ou Eixão, apelido que ganharia futuramente.


Anos mais tarde, décadas de 70 e 80, em novo regime, o Eixão seria utilizado com regularidade para desfiles cívicos, paradas militares ao som das bandas de fanfarra todos os eventos de promoção governamental2. Um programa de política pública, no entanto, daria alcunha ao termo “Eixão do Lazer”, o Esporte para Todos3, cujo objetivo era a promoção de atividades esportivas e recreativas, consideradas saudáveis. Eram passeios ciclísticos, jogos de voleibol e basquete que estimulariam os hábitos de uma vida saudável, mais produtiva e longeva sob o ponto de vista estritamente laboral. Dessa forma, o lazer era  – prioritariamente  – o desporto, separado conceitualmente de termos como tempo livre e ócio4. Assim, as atividades mensais eram comandadas pelo Departamento de Educação Física, Esporte e Recreação (Defer)/ GDF, na Asa Sul.


Em 1991, com presidente devidamente eleito e nova constituição, o Decreto Nº 13.250, concede à cidade rodoviarista e metódica o direito de ser cidade comum, com sua própria esquina – pelo menos aos domingos. O Eixão, dessa feita, passa a ser ocupado semanalmente com todas as suas asas de 13,8 km de envergadura. As atividades inicialmente eram promovidas pelo GDF e supriam as áreas de lazer faltantes, em especial da parte norte. Cabia à Secretaria de Cultura reunir público para apresentações  musicais de diferentes portes exposições de arte, teatro e também atividades de esporte. As ações reforçavam o lazer plural que escapam à perspectiva pretérita. A iniciativa inspirou, décadas depois, a liberação de vias para pedestres como a Avenida Paulista e o Minhocão em São Paulo, o Aterro do Flamengo no Rio de Janeiro e as ações das Red de Ciclovías, presente no México e em Bogotá.


A partir dos anos 2000, os registros de atividades promovidas pelo GDF esvaíram, visto não serem mais necessárias. Os encontros e eventos poderiam ser marcados ou simplesmente acontecerem inesperadamente numa roda de choro (Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, pelo Iphan em 2024), numa pose de fotos com o ipê, no carrinho de picolé ou numa caminhada, as atividades são plurais, não se restringem as de esporte, mas perpassam por feiras livres, musicais e gastronômicas, etc. No decorrer dos anos percebe-se que o Eixão é cada vez mais punjante, polissêmico, democrático, gratuito.


O Eixo de desenho da cidade - juntamente com o Eixo Monumental-, de trajetória linear levemente arqueada e de alta velocidade, passa a ter ser vivenciado em outra escala, a de esbarrões e encontros. Amigos, transeuntes, passantes passam a serem vistos, encontrados como ocorre nas esquinas das cidades.


A trajetória deste espaço publico de lazer é retratada em pesquisa de mestrado defendida em 2019 na Universidade de Brasília. Na ocasião foram organizados e mapeados documentos do Arquivo Público, reportagens de jornal, pesquisa em redes sociais e incontáveis visitas de campo, historiografia que se mostrou imiscuída a história de Brasília e com muitos capítulos a serem escritos.
Espera-se que as anedotas futuras contenham democracia, lazer e outras qualidades que inerentes a espaço público.

 

Referências

1. SILVA, Ernesto (1985). História de Brasília - um sonho, uma esperança, uma realidade. Brasília: Senado Federal.

2. CHINI, Vanessa Schnabel Fragoso. Eixão do lazer de Brasília: o Eixo Rodoviário Residencial e seu uso como espaço público. 2019. [232] f., il. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)—Universidade de Brasília, Brasília, 2019.

3. TEIXEIRA, S. (2015). Tese De Doutorado. Programas Esportivos No Estado Militar: Ações Do "Esporte Para Todos" Para Educação Popular (1973-1990). Uberlândia, Brasil: Universidade Federal De Uberlândia.

4. DUMAZEDIER, J. (1979). Sociologia empírica do lazer. São Paulo: Perspectiva.

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