OPINIÃO

Valério Augusto Soares de Medeiros é professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília (FAU/UnB). O livro Urbis Brasiliae: o Labirinto das Cidades Brasileiras (EdUnB, 2013) - foi finalista do 56o. Prêmio Jabuti (CBL, Categoria Arquitetura e Urbanismo).

Valério Augusto Soares de Medeiros

 

Neste final de setembro comemoramos o “Dia Mundial sem Carros”, um convite para repensar a mobilidade e o planejamento de nossas cidades. No Brasil, a frota atual alcança mais de 122 milhões de veículos, dos quais 51,30% estão na categoria “automóveis”1. Embora haja variação de acordo com o porte do município, cerca de 30% das viagens no país ocorrem por transporte individual ou moto, enquanto 28% se dão por transporte público2.

 

Em tempos de emergência climática, promover a redução dos deslocamentos por meio de transportes individuais é algo urgente e em favor da própria sobrevivência das sociedades. Reduzir o número de veículos nas ruas significa devolver o espaço para as pessoas e também mitigar a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Nos centros urbanos brasileiros, os carros são responsáveis por 66,5% das emissões de CO23, produto de uma frota que ultrapassa 30 milhões de automóveis4. É urgente, portanto, rever as políticas nacionais e locais no que diz respeito à produção e ao incentivo de veículos automotivos individuais para que o país consiga atingir as metas de redução de carbono às quais se comprometeu: redução de 48% até 2025, 53% até 2030 e a ambiciosa neutralidade até 2050.

 

Incentivar a mobilidade ativa, aquela resultante da locomoção por meio de propulsão humana, seja a pé, de bicicleta, patinete, ou outro meio, combinada ao transporte coletivo, parece ser a maneira mais adequada de promovermos uma cidade mais limpa e igualitária, no que diz respeito à mobilidade urbana. Os efeitos na qualidade de vida e na saúde pública são inegáveis.

 

Mas será que as cidades estão preparadas para promover a mobilidade ativa e fomentar o uso do transporte coletivo? Ou permaneceremos centrados em grandes obras rodoviaristas que, a despeito de um discurso de vanguarda, ora passional, comumente equivocado, privilegiam o uso do transporte individual? Enquanto não atentarmos para a forma das cidades em seu sentido amplo – buscando integrar fluxos com uso e ocupação do solo urbano, promovendo adensamento e diversidade nos espaços, arborização e sombreamento dos percursos, tornando os deslocamentos menores e mais agradáveis etc. – permaneceremos em uma luta desequilibrada, em que ciclistas e pedestres se expõem em calçadas e ciclovias inseguras e inadequadas.

 

Enquanto 35% dos habitantes de Copenhague5 usam bicicleta para ir ao trabalho ou à escola, apenas 3% dos brasileiros6 adotam o modo como meio de transporte. Esse tipo de informação pode impressionar, mas é uma comparação injusta. O que são nossas cidades, quais são suas características peculiares, em que medida modelos podem ser apenas transpostos para o Brasil sem uma adequada adaptação? Precisamos de um planejamento comprometido com a configuração urbana nacional que observe a cidade como um sistema articulado para favorecer a costura e a integração entrepartes, além de políticas públicas seriamente vinculadas. Os modais devem funcionar como um tecido, numa trama alinhavada, para conforto, qualidade e segurança dos cidadãos.

 

O desafio das mudanças climáticas que enfrentamos hoje em dia exige ações mais consistentes – não conseguiremos dar passos em favor de um futuro melhor sem uma sólida alteração na maneira como planejamos nossas estruturas urbanas, sem a adaptação necessária à criação de cidades mais verdes e resilientes e sem a mudança nos padrões de mobilidade. É preciso olhar para o pacto coletivo e fazer de nossas cidades um espaço acessível a todos. O “Dia Mundial sem Carros” é, portanto, um apelo em favor da mudança. Mas também um alerta – permanecer como estamos certamente não é um caminho, e nem há tempo para hesitações.

 

Referências

1. Tabela “Frota de veículos... (agosto/2024)”, elaborada pelo Ministério dos Transportes, Senatran, Renavam (https://www.gov.br/transportes/pt-br/assuntos/transito/conteudo-Senatran/frota-de-veiculos-2024, Acesso em 20/09/2024).

2. Relatório SIMOB/ANTP 2018 (https://files.antp.org.br/simob/sistema-de-informacoes-da-mobilidade--simob--2018.pdf, Acesso em 20/09/2024).

3. IPEA, TD 1606 (abril/2011) (https://portalantigo.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_1606.pdf, Acesso em: 20/09/2024).

4. Relatório SIMOB/ANTP 2018 (https://files.antp.org.br/simob/sistema-de-informacoes-da-mobilidade--simob--2018.pdf, Acesso em 20/09/2024).

5. OECD – Better Life Index. Dinamarca (https://www.oecdbetterlifeindex.org/pt/paises/denmark-pt/#:~:text=Trinta%20e%20cinco%20por%20cento,%C3%A0%20escola%20de%20bicicleta%20regularmente, Acesso em 20/09/2024).

 

 

 

 

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