OPINIÃO

Kleber Aparecido da Silva é professor do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas e do Programa de Pós-Graduação em Linguística e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Estudos Críticos e Avançados em Linguagens (GECAL) e o Laboratório de Estudos Afrocentrados em Relações Internacionais da UnB (LACRI). É bolsista de produtividade em pesquisa pelo CNPq – 2A.  kleberunicamp@yahoo.com.br | kleberaparecidodasilva@gmail.com

Kleber Aparecido da Silva

 

Em meio a ventos científicos oriundos do Norte Global que refletem, por um lado, uma forma de (re) pensar frequentemente acrítica e, por outro, um agir colonial, a Linguística brasileira, desde a sua implementação no Brasil como ciência ou campo dos saberes, tem mantido uma perspectiva, a meu ver, restrita à e circunscrita em uma concepção estrutural de língua(gem), verbalizada tanto no âmbito falado quanto no escrito por pesquisadores/as em instâncias científicas que mantém e legitimam esta forma de pensar. Longe de eu criticar esta perspectiva de pensar/agir, me proponho neste artigo a problematizar esta forma de agir e de fazer ciência, em especial, na Universidade de Brasília (UnB), um lócus pioneiro nos estudos da língua(gem).

 

As nossas Associações Científicas, tais como a Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), a Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB), a Associação Internacional de Linguística Aplicada (AILA) e a Associação Latino-Americana de Estudos do Discurso (ALED), para citar apenas algumas dentre outras de equivalente renome, tem feito esforços hercúleos visando popularizar a Linguística no Brasil, afirmando assim uma posição vanguardista e até certo ponto “futurista” ao assumir um compromisso com a justiça social por meio da língua(gem). E quando se faz isto, democratiza-se o acesso aos conhecimentos científicos produzidos neste campo, ao mesmo tempo que fomenta e inspira novos pesquisadores a adentrar em um terreno de investigação ainda tão desafiador como o da Linguística.

 

Mas afinal o que é Linguística? Aliás, o que é “fazer Linguística”? O que faz um cientista da língua(gem)? Enquanto muitos se preocupam em “ser” cientista, eu tenho me preocupado em “fazer” ciência. Em outras palavras, “fazer linguística” é, para mim, contribuir de forma efetiva com a circulação do conhecimento (re)construído em nossas universidades com uma linguagem que a sociedade, de uma maneira geral, possa nos compreender. Não se faz ciência sem sociedade e sem estabelecer diálogos com ela. Contudo, por várias décadas, e ainda hoje, há pesquisadores/as filiados/as a campos específicos da Linguística brasileira que tem como objetivo principal apresentar, discutir e problematizar questões de língua(gem), a partir de epistemologias e ontologias que muitas pessoas da sociedade não compreendem, e que refletem, a meu ver, um fazer/pensar/agir do Norte Global.

 

Percebo, sinto e vivencio desde o momento em que ingressei na Universidade de Brasília um movimento que tem sido caracterizado na literatura acadêmico-científica como “Sul Global” (Global South), que se alinham a uma perspectiva decolonial de (re)construção e disseminação dos conhecimentos. Corroboro com o linguista aplicado (crítico) indiano Kanavillil Rajagopalan, da UNICAMP, quando nos sinaliza e nos alerta de que o colonialismo foi muito mais do que um capítulo macabro na história da humanidade, ao longo do qual um grupo de nações europeias se auto outorgaram o direito de se lançar numa aventura predatória rumo a distantes povos da África, Ásia e América Latina, submetendo-os a inomináveis iniquidades e humilhações, sugando impiedosamente suas riquezas e deixando-os na penúria e total desamparo. O colonialismo tomou conta da mente dos povos (e adiciono também da mente de muitos linguistas) dentro do regime de escravatura, ainda que muitas vezes disfarçado com outros nomes e eufemismos engenhosos, ao qual os conquistadores os submeteram na sua incansável procura por bens alheios, movida pela ganância e pelo delírio desmedido de sua suposta superioridade moral e intelectual. E a sequela mais gritante e danosa dessa lavagem cerebral à qual os povos dominados foram submetidos leva o nome de colonialidade.

 

Em síntese, o que eu defendo neste artigo é a visibilização e a (re)construção de teorizações e agires decoloniais que sejam (re)construídos a partir de diálogos e debates, sob o viés de perspectivas contemporâneas, plurais e críticas; trazendo assim também as vozes subalternizadas e/ou periféricas, conforme já pontuava Spivak (1985). E para aqueles colegas que dizem que o que eu faço e/ou desenvolvo neste lócus de ensino, pesquisa, extensão, inovação e internacionalização não é Linguística, eu indago: e é o que então? Paulo Freire já afirmava que “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. E por eu ser Freireano, Fanoniano e Bortoniano-Ricardo, alicerçado nos preceitos teórico-praxiólogicos de Conceição Evaristo, concebo a Linguística como um campo de investigação trans/multidisciplinar, transgressivo, híbrido e mestiço, que pode refletir as vivências e as escreviviências de comunidades subalternizadas e/ou marginalizadas. Que esta nova (a meu ver “velha”) forma de (re)pensar e de (re)agir na ciência da língua(gem) seja mais respeitada pelos nossos pares na e fora da Universidade de Brasília, pois fazer Linguística no século XXI é se esforçar em compreender e em respeitar o outro. Ou seja, é “espiralizar” afetos ao próximo!

 

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