OPINIÃO

Eduardo Guimarães Santos é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia pela Universidade de Brasília.

Eduardo Guimarães Santos

 

Não é incomum escutar um discurso despolitizado entre biólogos. Essa semana escutei de um professor durante uma palestra uma fala direta: não podemos ser militantes! Eu fiquei assustado com a afirmativa, tendo em vista o momento político atual e os incêndios florestais que corroem o Brasil e sufocam as grandes cidades brasileiras. O ato de militar está diretamente ligado ao entendimento do papel de cada cidadão com a democracia vigente. De fato, quando elegemos alguém para nos representar, esperamos que essa pessoa milite pelo que acreditamos, sejam quais forem as pautas. Então, contrapondo a fala do professor, de forma clara eu digo: precisamos de biólogos militantes! Precisamos de biólogos militantes e que não sejam ingênuos...

 

Pretendo justificar as duas afirmativas acima utilizando os exemplos recentes das queimadas florestais brasileiras. Principalmente os incêndios que varreram a capital do país, onde eu moro, e fizeram uma parte dos brasilienses acordarem com dificuldade para respirar, devido a concentração de fumaça (principalmente na Asa Norte, em Brasília).

 

Todo biólogo que já se debruçou sobre o tópico dos incêndios florestais no Cerrado (bioma onde Brasília está localizada), sabe que incêndios podem ocorrer em um período muito específico do ano e estão ligados a raios que ocorrem no início do período chuvoso, e fim do período da seca. Sabendo disso, podemos dizer que 1) os incêndios que estamos observando não são naturais. Ou seja, não são causados pelos raios; e 2) se não são naturais, são causados por humanos. Entretanto, essas informações não bastam para interpretar os acontecimentos recentes dos incêndios florestais, pois os incêndios florestais estão diretamente ligados a limpeza de terrenos públicos por fazendeiros e grileiros poderosos, que só visam o lucro. O histórico brasileiro deixa isso claro, com o Cerrado sofrendo na atualidade devido a expansão do agronegócio. Apesar de deterem esse conhecimento básico, por que os biólogos continuam a comprar todas as notícias que saem na mídia, sem se perguntarem o motivo dessas reportagens? Vamos a um exemplo, perpassando pelas notícias relacionadas ao incêndio ocorrido no Parque Nacional de Brasília:

 

1) 15/09/2024 – começam a chegar as primeiras informações sobre a queimada do Parque Nacional de Brasília.

2) 16/09/2024– surgem notícias nos principais jornais (ex: Agência Brasil, Brasil de Fato, Metrópoles). Essas notícias começam a informar que Brasília está muito seca, com muitos dias sem chover. Na verdade, essas informações já estavam sendo divulgadas ao longo de todo mês (veja notícia do dia 03/09/2024, como exemplo).

3) 17/09/2024 – o G1 noticia que “Brasília iguala 2ª pior seca da história e é a 2ª capital do país com mais dias sem chuva em 2024”. Nessa mesma reportagem se lê que “o DF teve [...] o dia mais quente do ano, com 33,2ºC às 15h”.

 

Recebendo essas notícias sem se atentar aos interesses políticos que governam uma vida em comunidade, e sem entender que poucas pessoas detêm um poder grande sobre a informação, fica parecendo que cada jornal apenas segue dando informações de forma isenta e que não existe um controle sobre o que é publicado. Apesar disso, basta ler as notícias para notar que parece existir uma intenção de justificar os incêndios com informações que não tem relação com o motivo dos incêndios. “Brasília está muito seca” não justifica os incêndios. A seca não é responsável pelo fogo.

 

Outra informação que começou a ser compartilhada foi de registros de aves na Austrália que eram responsáveis por colocar fogo. O registro foi feito na Austrália. Por que é relevante para a discussão sobre os incêndios no Brasil? Um biólogo que não seja um militante pode não entender que, nesse momento, divulgar essas reportagens é danoso e segue um propósito claro: justificar os incêndios e não responsabilizar as pessoas responsáveis. O próprio presidente do senado se pronunciou dizendo que as tentativas de aumentar a punição para criminosos que ateiam fogo nos ambientes naturais são uma expressão do “populismo legislativo” e disse que essas medidas eram “desproporcionais”. A quem interessa não punir os criminosos?

 

Então, sejamos militantes. Militantes pelo planeta Terra. Militantes pelo Cerrado. Militantes pelo futuro do nosso bioma e do nosso país.

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