OPINIÃO

Otávio de Tolêdo Nóbrega é professor da Universidade de Brasília, bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ2) do CNPq, especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG-DF. 

Otávio de Tolêdo Nóbrega

 

Elie Metchnikoff nasceu em 1845 em Kharkiv, cidade da Ucrânia que fazia parte do império russo, e cresceu num ambiente rural. Desde jovem, demonstrou grande curiosidade científica e uma habilidade incrível em observar e analisar fenômenos biológicos. Ele iniciou seus estudos pela Zoologia, mas logo se interessou pelas ciências da vida como um todo, seguindo carreira acadêmica em Ciências Biológicas. Foi atraído pelo estudo dos microrganismos e pela relação deles com o corpo humano. Um dos momentos mais importantes de sua carreira aconteceu na Itália, enquanto trabalhava em Messina. Foi lá que Metchnikoff observou pela primeira vez o fenômeno da fagocitose, onde descobriu que as células especializadas que chamou de fagócitos eram capazes de “engolir” e “digerir” agentes invasores como bactérias.

 

Na época, essa descoberta foi encarada com muito ceticismo. Muitos cientistas acreditavam que os anticorpos eram os únicos defensores do nosso corpo. Metchnikoff teve que lutar por décadas para provar que os fagócitos também eram essenciais na defesa imunológica. Foi uma árdua batalha contra a poderosa Escola Germânica, liderada pelo famoso Robert Koch, um dos maiores nomes da microbiologia. Mas Metchnikoff não se deixou abater. Sua teoria foi finalmente reconhecida e a fagocitose passou a ser vista como um dos mecanismos centrais do sistema imunológico, o que inclusive lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1908, juntamente com Paul Ehrlich, por suas descobertas no campo da ciência que hoje chamamos Imunologia. Mas sua contribuição vai além de revelar processos imunitários: ele é um dos pioneiros no estudo do envelhecimento, abrindo caminho para o que hoje chamamos de Gerontologia.

 

Metchnikoff tinha um grande interesse pelo processo de envelhecimento. Sua vida pessoal, marcada por tragédias como a morte de sua primeira esposa por tuberculose e por sua luta pessoal contra a depressão, o levava com frequência a pensar e a refletir com profundidade sobre a velhice e o fim da vida. Foi essa preocupação que o levou a se tornar pioneiro em estudar o envelhecimento como um processo biológico que poderia ser entendido e, até certo ponto, modificado. Um dos pontos centrais de sua teoria estava na saúde do intestino. Metchnikoff acreditava que bactérias tóxicas presentes no intestino eram responsáveis por acelerar o envelhecimento e promover doenças crônicas. Ele notou que pessoas que consumiam alimentos fermentados, como iogurte, pareciam viver mais e com mais saúde. Sua ideia era de que bactérias “benéficas”, como as encontradas em produtos fermentados, poderiam ajudar a retardar o envelhecimento, conceito que atualmente ganha legitimidade pelo estudo do microbioma e sua relação com a longevidade.

 

Metchnikoff não apenas revolucionou a Imunologia com a fagocitose, mas também lançou as bases para a fundação da Gerontologia, de modo a podermos afirmar serem ciências irmãs, filhas de mesmo pai. Embora algumas de suas ideias originais não tenham resistido ao escrutínio da ciência moderna, sua abordagem inovadora, com metodologia robusta e uso de controles pra provar seu ponto de vista, foi uma das primeiras tentativas de tratar tanto a imunidade quanto o envelhecimento como processos biológicos passíveis de compreensão científica e de intervenção clínica.

 

Seus desafios pessoais, incluindo problemas de saúde e tragédias familiares, certamente influenciaram suas motivações e o direcionamento de suas pesquisas. Assim, seu legado é um testemunho de sua habilidade em transformar dificuldades em combustível para algumas das descobertas mais revolucionárias da Medicina. Calcado no exemplo Metchnikoff, com quem guardo a feliz semelhança de também ter dedicado a carreira ao estudo da imunidade e do envelhecimento, realizarei a defesa pública de meu Memorial para promoção funcional ao cargo de Professor Titular da Universidade de Brasília no dia 11/10/2024, às 14h, em sessão presencial na Faculdade de Ceilândia e transmissão simultânea pelo Canal no YouTube da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, seção DF,  com votos de que possam me prestigiar com sua presença ou audiência. Muito obrigado.


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